Marcia Jovani de Oliveira Nunes¹
Josemir Almeida Barros²
No processo de constituição do estado de Rondônia há pelo menos três correntes migratórias: as duas primeiras diretamente relacionadas ao extrativismo das chamadas drogas do sertão – o ouro e a borracha, ocorrida durante os anos de 1877 a 1912 e de 1942 a 1945 respectivamente. A mais recente ocorreu nas décadas de 70 e 80 do Século XX, período correspondente ao regime militar no Brasil. A abertura da Rodovia – BR 364, conhecida também como “estrada das onças”, incentivou o desenvolvimento capitalista, interligando Rondônia às demais regiões brasileiras.
Migrantes impulsionados por propagandas e incentivos do governo federal se deslocaram para a região Norte do Brasil, muitos alimentaram a ilusão e o sonho da “terra prometida” na Amazônia rondoniense. O ditador Emílio Garrastazu Médice prometeu “uma terra sem homens para homens sem terra”. A fixação de homens, mulheres, jovens e crianças na terra correspondeu a lavrar, plantar e colher para sobreviver. A agricultura familiar se fez presente, porém foi esquecida ou substituída diante dos grandes negócios da agropecuária e da exploração de madeiras.
A terra prometida pelo governo ditatorial deveria ter sido entregue às famílias pelo Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (INCRA), por meio de projetos fundiários de colonização, contudo, a quantidade de migrantes ultrapassou o esperado e cerca de 30 mil famílias ficaram sem terra, transformando-se em mão de obra farta e barata para fazendeiros proprietários de gado e madeireiros que derrubaram a floresta, em muitos casos com consentimento do governo federal.
As famílias eram numerosas e boa parte da população migrante era de crianças e jovens em idade escolar. Muitas escolas rurais foram erguidas pelas comunidades. O trabalho docente era exercido por professoras leigas diante do elevado contingente de crianças e jovens sem acesso ao ensino público formal. Frente à ausência de ação do governo federal para a escolarização da população migrante, o INCRA praticamente impunha a organização e construção de escolas rurais aos próprios colonos. O Estado só “apareceu” posteriormente para oficializar as improvisadas escolas rurais e contratar os/as professores/as que já estavam em efetivo serviço.
Ao historiar a educação rural percebemos que muitas professoras foram “pegas à laço” para lecionar. Marcante é a ausência do poder público e as dificuldades para lecionar em escolas rurais improvisadas de pau-a-pique e isoladas. Em geral construídas de madeira lascada, ou serrada no serrote e/ou palhada da mata nativa. O acesso à escola era dificultoso e se dava por meio de picadas no meio da selva amazônica, em cujas trilhas o perigo era constante, tanto para professores como para alunos.
Na escola rural não havia direção, coordenação, secretaria, merendeira, zeladora ou qualquer outro/a servidor/a. Tudo era de responsabilidade dos/as professores/as, desde as aulas, o preparo da merenda para os alunos, até a limpeza, a manutenção e os reparos na escola. O giz para escrever no quadro de aula era improvisado, feito com polvilho de mandioca e carvão. Existiam apenas os/as professores/as leigos/as e seus alunos. As crianças chegaram muitas vezes sem documentação que comprovasse seu vínculo escolar e/ou situação escolar pela falta de histórico escolar. Ainda assim, ingressavam na escola. Havia pressa da parte do governo ditador em mostrar que a região estava em desenvolvimento, pois a educação foi atrelada ao discurso político de progresso na região.
Também não haviam móveis nas escolas. As carteiras escolares eram construídas pela comunidade, mesas e bancos fixos ao chão de terra batida, essa era a escola que os estudantes frequentavam. Os alunos sentavam juntos e esbanjavam alegrias. Não havia água para beber ou lavar, nem ao menos banheiros.
As professoras não tiveram formação inicial ou continuada, fizeram-se professoras por meio de suas práticas e das poucas experiências vivenciadas como alunas no período de sua infância.
Os acordos que os/as professores/as firmaram com o INCRA para lecionar nas escolas rurais foram apenas verbais, não houve nenhum documento ou contrato formal que comprovasse o vínculo empregatício. Mais tarde, quando esses/as professores/as buscaram a aposentadoria, encontravam dificuldades para comprovação do tempo de trabalho prestado junto ao governo do estado de Rondônia e em alguns casos junto ao governo Federal, já que o estado de Rondônia foi instituído no final do ano de 1981.
A educação rural se configurou como uma importante estratégia do governo federal, que por um lado, discursivamente anunciava a existência de escolas, por outro lado a presença da escola servia para escamotear problemas de toda ordem, em específico os sociais. Vamos falar da independência do Brasil? Logo, precisamos de debates, inclusões, exclusões, desigualdades regionais e sociais.
Em Rondônia, via educação rural, a escola era uma chama, algo que atraía e ajudava a fixar os migrantes na região, enfim servia para fortalecer a ideia de “uma terra sem homens para homens sem terra”. A escola rural era tudo! No Giro do Bicentenário por Rondônia convidamos vocês leitores/as a refletirem conosco sobre mais esta história.
1 – Doutoranda e Mestra em Educação pelo Programa de Pós-Graduação em Educação Escolar, Mestrado e Doutorado Profissional da Universidade Federal de Rondônia (PPGEEProf/UNIR). Pedagoga do Instituto Federal de Rondônia (IFRO) – Campus Colorado do Oeste – RO, Brasil. ORCID: https://orcid.org/0000-0002-1568-0462 – E-mail: marcia.nunes@ifro.edu.br
2 – Pós-Doutor, Doutor e Mestre em Educação. Historiador e Pedagogo. Professor, Pesquisador e Extensionista da Universidade Federal de Rondônia (UNIR), Porto Velho, Rondônia, Brasil. Vinculado ao Departamento Acadêmico de Ciências da Educação (DACED). Integrante do Programa de Pós-Graduação em Educação Escolar, Mestrado e Doutorado Profissional (PPGEEProf) e do Programa de Pós-Graduação em Educação – Mestrado Acadêmico (PPGE). Vice-líder do Grupo de Pesquisa Multidisciplinar em Educação e Infância (EDUCA). Vice Presidente da Rede de Pesquisa, Ensino e Extensão em Educação das Regiões Centro-Oeste e Norte do Brasil e América Latina (RECONAL-Edu). Integrante da Red Temática de Investigación de Educación Rural (RIER). Desenvolve pesquisa sobre Ensino Rural e História e Historiografia da Educação Rural com financiamento do CNPq, CAPES e FAPERO. Lattes: http://lattes.cnpq.br/3625890466420467. ORCID: http://orcid.org/0000-0002-2687-6575. E-mail: josemir.barros@unir.br
Imagem de destaque: Amadeu Hermes. Escola rural em Rondônia (1978).