Consentimento e sexualidade: esse assunto cabe na escola?

Amana Rocha Mattos

Sempre que apresento os projetos de pesquisa sobre gênero e sexualidade que desenvolvo em escolas, seja em congressos científicos, seja em rodas de conversa com docentes e estudantes, uma pergunta se repete: como abordar o tema com crianças e adolescentes? O terreno minado das escolas para os temas de gênero e sexualidade parece ter se tornado mais hostil ao diálogo e à troca nos últimos anos. Direção, professoras e professores temem sofrer perseguições e evitam tocar no assunto. As e os estudantes, por sua vez, seguem fazendo mil perguntas, e as situações conflituosas e mesmo violentas envolvendo gênero e sexualidade continuam acontecendo no dia a dia escolar. O que fazer?

A realização de oficinas sobre esses temas com estudantes do ensino fundamental e médio em escolas públicas no Rio de Janeiro tem mostrado que falar sobre sexualidade (e também sobre gênero) exige conversar sobre a ideia de consentimento com as e os estudantes. Essa necessidade surge de diferentes maneiras, mas duas que têm se mostrado muito presentes. A primeira é que percebemos um aumento na procura pelo nosso trabalho (com oficinas, palestras ou rodas de conversa) quando eventos de violência sexual e/ou de gênero ganham projeção na sociedade e na escola. Crianças e adolescentes falam do assunto, fazem perguntas, compartilham vídeos, fotos, e as e os professores sentem-se muitas vezes “sem recursos” ou sem saber o que dizer ou fazer. A sexualidade invade a escola nessas ocasiões como um tema “difícil” e associado à violência.

A segunda maneira em que essa necessidade surge é nas trocas com as e os estudantes, durante as oficinas. É grande a vontade de falar sobre relacionamentos – e isso envolve relações de amizade, familiares, com as e os professores, e também relações sexuais e/ou afetivas. Um aspecto que sempre surge nessas discussões são as relações de poder presentes nos relacionamentos, assim como reflexões sobre quais seriam os limites na relação com o outro: até onde o outro pode fazer o que quer, ou o que eu posso fazer com o outro…

Percebemos que seria importante discutir gênero e sexualidade trabalhando a noção de consentimento – não a partir de discussões abstratas, mas de situações cotidianas que possam disparar reflexões sobre a importância de ouvir o outro, estar atento/a à outra pessoa, além da importância de poder expressar quando algo é incômodo, constrangedor ou violento. Nesse sentido, observamos algumas regularidades, ainda que cada vivência seja singular. A expectativa social de heterossexualidade parece produzir efeitos distintos entre os sexos. Em alguns momentos, acolhemos a demanda das alunas e realizamos rodas de conversa só com garotas, em que as adolescentes se sentiram mais à vontade para falar sobre incômodos nos relacionamentos com rapazes, trazendo a questão do machismo em exemplos do dia a dia. Já entre os garotos, a exaltação da heterossexualidade associada à agressividade é recorrente, e a “zoação” com estudantes LGBTI é frequentemente valorizada como prova de virilidade. Também observamos um grande desconhecimento (acompanhado muitas vezes de curiosidade) sobre os corpos de garotas e mulheres cisgêneras, e sobre como (e se) sentem prazer no sexo. Vivências da sexualidade fora da norma heterossexual também são assunto frequente entre garotos e garotas, com muitas dúvidas, curiosidades e compartilhamentos de experiências. Nessas conversas, vemos como o debate sobre consentimento articula-se com o tema do preconceito: a objetificação do outro, do corpo do outro, legitima situações de violência e assédio.

Por sua vez, trabalhar o tema da sexualidade com crianças, sem reduzir a questão a relações sexuais genitais, também tem nos levado a discutir consentimento com elas. Isso pode ser feito, por exemplo, conversando sobre os cuidados e experiências com o próprio corpo, e o entendimento que o corpo do outro – seja do/a colega, seja do adulto – é outro corpo. Quando analisamos os dados sobre violência sexual contra crianças e adolescentes no país, que apontam que boa parte dos agressores são pessoas próximas das vítimas, vemos como é importante que elas possam identificar situações de violência e recorrer a adultos que as escutem e acolham.

Por fim, consentimento é um tema que abre portas para discussões importantes: parceria, prazer, prevenção, troca, escuta. Tem sido um bom desafio trabalhar esse assunto nas escolas, com crianças, adolescentes e educadores/as.


Imagem de destaque: Gaelle Marcel / Unsplash

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