Comunicação autorresponsável e as relações humanas

Fabiana Vilas Boas Borges

Começo compartilhando o dilema que é tema deste artigo. Tantos ensaios e pautas priorizei para dialogar por aqui; busquei parcerias e inspiração para falar de variados assuntos pedagógicos no contexto da pandemia ligados aos direitos humanos; me perdi e me achei na busca algumas vezes pela urgência de tudo e no vácuo da inspiração. Na angústia do excesso das questões contraposto pela falta de respostas, fui arrebatada a reformular o foco, intencionando colocar o dedo nessa ferida que me assombra, mas que também me cura. A boa comunicação ou a falta dela pode ser entendida por vezes como causa raiz da saúde ou doença nas relações que estabelecemos com o outro e com nós mesmos. E nesse devaneio literal, te convido à reflexão e interlocução. 

Há alguns dias, parei tudo para ouvir a professora Lúcia Helena Galvão num minicurso ofertado gratuitamente pela organização Nova Acrópole por meio da plataforma Youtube. Nele, ela apresenta um estudo mais aprofundado sobre o livro “A Guerra da Arte”, do escritor americano Steven Pressfield. Na obra, o autor descreve, com muita propriedade e clareza, limites internos que nos prejudicam na autoescuta consciente por meio da qual nos responsabilizamos como autores da própria vida, no campo profissional e pessoal.  O autor discorre sobre as resistências que criamos para nos conhecer e manifestar os nossos sonhos mais sagrados, sobre como tornar a vida plena de manifestação e significado; enfim, sobre conhecer a verdade interior para crescer como seres humanos comprometidos dignamente com seu propósito. 

Na urgência do novo, a convite da professora Lúcia Helena e da filosofia, me convidei a pensar sobre este precioso conteúdo, obstinada a transformar crenças limitantes e ressignificar minha ação no mundo com outro foco, para dentro. E aí são muitos movimentos internos e externos nessa jornada. Um deles é o compromisso consciente que fiz, há algumas semanas, de observar com atenção multiplicada e com certa angústia, confesso, o fluxo da minha comunicação comigo mesma e com todos os “outros” com que me relaciono. Conclusão: perplexa (suspiros). Quanto ruído, excesso, fracasso; quanta sobreposição, omissão, incoerência, ausência. Por meio de tantos meios ampliados com a pandemia, nos desdobramos em infinitas vozes e estratégias linguísticas. Em formas de letras, áudios, pixels, bits, redes, grupos, energias, comandamos imperativos: “Fala, cala, ignora, declara, invoca, decreta, consulta” e por aí vai. E até aí tudo bem.  A questão destacada aqui é o balizamento para a manifestação desses comandos. Vem de onde?  Da verdade/escolha e observação interna? Da nossa presença na interlocução?  Presumo que, na maioria das vezes, não é. 

Estamos ausentes quase sempre, vídeo e áudio internos fechados, e naturalmente vamos nos intoxicando e adoecendo fora e dentro, simplesmente por insistir em nos afastar da condição básica da nossa humanidade, a conexão entre o sentir e o sentido (sensu). Sem escuta responsável e presente consigo e com o outro não há fluxo que conduza aos resultados esperados. A sanidade emocional e psíquica fica comprometida pelo não compromisso. Sócrates disse que o indivíduo realmente livre somente o é até o ponto de seu próprio autodomínio. Enquanto que aqueles que não governam a si mesmos estão condenados a encontrar senhores que os governem.” 

No livro “A Guerra da Arte”, Pressfield nos convida a nos tornar “um profissional” da vida, partindo da premissa de que o “amador” joga por diversão. O profissional joga para valer. O profissional ama tanto sua vocação que dedica sua vida a ela. Compromete-se integralmente consigo, com seu propósito, e nesse movimento se realinha pelos fios da transparência, integridade, impecabilidade, responsabilidade, autonomia, do respeito. Uma comunicação efetiva que envolve adultos autorresponsáveis, no meu ponto de vista, precisa essencialmente desse alinhamento, e concluo isso não no lugar do julgamento entre o certo e o errado, o bom e o ruim, mas pela autoanálise e observação externa dos resultados, sobre o tanto que a ausência ou a presença desses aspectos gera dor ou amor, escassez ou abundância nas nossas relações HUMANAS. O destaque em caixa alta é para manifestar a elevação da voz da alma mesmo. Somos humanos. Essa condição é inexoravelmente expressa pela vida, pela experiência. “Uma coisa é estudar a guerra e outra é viver a vida de um guerreiro” disse Telamon da Arcádia.  

Paulo Freire também nos provocou tais questionamentos. Qual a nossa responsabilidade em construir uma educação como prática de liberdade? Quais escolhas estamos conscientes a fazer para ser educador mediador conectado com nossa verdade? Aprender a dialogar é condição essencial para nos assumir e nos reconhecer nesse lugar e papel no mundo. Por meio da sua obra, ele sistematizou propostas de diversas Pedagogias, do Oprimido, da Autonomia, da Esperança, da Indignação, dos Sonhos possíveis, colocando como condição de humanização e, em especial, do trabalho docente, a comunicação efetiva, o diálogo pela presença e consciência. 

Todos os dias a vida, pessoal e profissional, material e abstrata, nos convoca a estar presentes, na presença consciente por meio da forma que nos comunicamos com tudo, como expressamos o que faz sentido no nosso sentir. De fato, há meios políticos, econômicos e sociais cada vez mais especializados na separação e distorção dessa consciência a fim de assegurar meios de poder para manipulação dessa expressão humana que implica a sua dignidade. Nessa lógica, não me resta outra escolha senão trabalhar constantemente, sem pressa e sem pausa, por essa liberdade, a qual, quando conquistada internamente, não há nada que a roube. É esse estado que me autoriza com legitimidade a manifestar o que penso e sinto para o outro, me ajuda a me desidentificar com o seu julgamento para ser e agir. Sem medo e com resistência, fica muito mais possível escolher viver com dignidade e propósito. Portanto, sem querer ser redundante, reitero o convite: Mude sua mente, mude o mundo.

 

1 – Especialista em Pedagogia pela PUC/MG. Professora e pedagoga da rede municipal de Betim, Ensino Fundamental, com ampla experiência na docência e gestão de projetos pedagógicos. Atuou como Presidente do Conselho Municipal de Educação de Betim de 2009 a 2012.

 

Para saber mais: 

Pressfield, Steven. A Guerra da Arte. Tradução de Geni Hirata. Rio de Janeiro: Ediouro, 2005. 


Imagem de destaque: Ediouro

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