A essência da vida reside na existência da morte

Valter Machado da Fonseca

Hoje, vou tratar de um assunto diferente das temáticas sobre as quais tenho falado costumeiramente. Hoje acordei com vontade de filosofar. Filosofar sobre a vida. E como filosofar sobre a vida sem falar da morte? Aliás, esta é uma temática que, quando mencionada, muita gente “bate na madeira” ou se desvia do assunto, justamente pelo medo de tratar de um assunto que, a meu ver, é uma temática extremamente normal, natural. 

A grande maioria dos homens vê na morte o fim de todas as coisas e, pensar assim, é se considerar o centro do universo. Trata-se de uma gritante contradição de pensar que a morte (como um princípio universal que rege o ciclo de todo ser vivo) não se aplica aos homens, pois estes estão acima da cadeia da vida. Isto, além de uma grande imbecilidade, trata-se de um ato medíocre ao se situar os homens acima dos princípios e leis que regem todo o universo.

Para falar sobre estas questões, é preciso que entendamos a vida. A vida não é nada mais que um breve “ciclo” de qualquer coisa que nasce, cresce, se reproduz e morre. Aliás, este é um princípio universal: tudo que existe, absolutamente tudo, nasce, cresce, evolui, atinge seu auge, depois entra em declínio e morre. Até as estrelas do firmamento obedecem a este princípio. Então, por que a morte causa tanto receio e estranheza? E, vista como um ciclo fechado sobre si mesmo, é uma coisa extremamente natural. Sem a morte, a vida simplesmente perderia sua beleza, sua razão de ser, enfim, deixaria de existir. A beleza da vida reside exatamente na essência, na existência da morte. Pensem sobre isto! 

Grande quantidade de pessoas, para não dizer a maioria delas, foge desse assunto, esquiva-se, justamente porque não compreende a verdadeira essência de sua existência. O que separa o homem do restante dos seres vivos é exatamente sua capacidade de raciocinar de, por intermédio do trabalho, transformar a natureza e se autotransformar. Aí, o ser humano constrói sua consciência, se torna realmente humano, capaz de se reconhecer no mundo. Isto é, desenvolve sua capacidade de adquirir, compilar, reproduzir, construir e organizar conhecimentos e saberes. 

Diante dessa condição e, em interação com a natureza e com os aspectos sócio-históricos, o homem forma sua consciência de estar no mundo, de “ser” em um mundo, onde nos tempos atuais e neste modo de produção econômico predomina contraditoriamente o “ter”, em detrimento do “ser”. Existe aí a inversão total de uma lógica que se torna “ilógica” dentro da concepção de uma sociedade plural, composta pela existência de um coletivo composto pela soma de diversos grupos sociais (coletivos), e não pela soma de “múltiplos individualismos”, como querem fazer crer alguns. 

A única coisa que, de fato, consegue explicar as razões da vida, da existência humana, é a própria morte. Na verdade, aqueles que têm medo da morte, que se esquivam diante dela, só podem ter uma explicação: passaram pela vida simplesmente por passar. E isto é muito triste; passar pela vida simplesmente por passar! Não construir nenhum projeto coletivo, priorizar o individualismo, o consumismo, enfim, o “ter” em detrimento do “ser”. É, no mínimo, passar pela vida de uma maneira imensamente e gigantescamente covarde. 

Também aqueles que deixam as coisas ir como acham que já está determinado, “guiadas por um destino previamente traçado”, talvez passem pela vida de maneira ainda mais covarde que no primeiro caso. Aceitar as coisas como predeterminadas, como predestinadas, é se convencer de sua mediocridade, de sua incapacidade de criação, de enfrentamento das adversidades, enfim, é aceitar sua inferioridade de forma deprimente e grandiosamente covarde diante da vida, do mundo e das coisas do mundo. Estes sim! Esses têm que temer a morte, porque no final das contas jogaram fora sua única vida, jogaram no lixo toda sua única existência. E a vida, uma vez jogada fora, não há como voltar atrás.

Então, a morte é o ápice de uma existência, é o ápice de todo um processo de busca interior, de construção de projetos coletivos. Quem pensa nesta direção, quem possui esta compreensão, jamais temerá a morte, jamais terão medo dela, ao contrário, a respeitarão, darão a ela o respeito e dignidade que merece como o ápice de toda uma existência. Pois a morte é o momento de profunda reflexão, é o momento de se fazer o balanço de toda uma vida! E quem sabe que seu balanço é extremamente negativo, de fato, terá que temê-la, pois terá jogado fora a vida, no rejeito de sua efêmera existência. 

Por fim, meus caros (as) leitores (as), aqueles que temem a morte são os que, de fato, nunca viveram. Na verdade, estes já estavam mortos há longo tempo e sequer sabiam disso. Esses, verdadeiramente, nunca estiveram vivos, já nasceram mortos!


Imagem de destaque: Pixabay

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