Com os militares o Brasil sempre esteve em paz, como um bom cemitério.

Raquel Melilo 

Renata Fernandes Maia de Andrade

Emicida me inspira e provoca. Ao ouvir a música Paisagem pela primeira vez percebi que os monstros que povoam minha mente são, de fato, reais. E que como a música diz, esses monstros têm origem na fuligem, no vale. São silenciosos na paisagem das cidades. Tão silenciosos como a morte que celebram. 

O militarismo no Brasil não é um bloco monolítico. Vou tratar daqueles que defendem o indefensável: o golpe de Estado, o aumento no orçamento militar, as práticas de tortura e a escalada autoritária do atual governo Bolsonaro. Não sei quantos são. Mas eles me assustam. Pelo que fazem ou deixam de fazer. 

Vamos focar na economia. Porque, afinal de contas, alguns dos que ainda apoiam o governo só o fazem porque acreditam na solução do ajuste fiscal severo e na capacidade de Bolsonaro realizar este ajuste. Mas há algumas inconsistências numa narrativa que mescla o estadismo militar com o liberalismo boomer. Há muitas provas dessa inconsistência. Vou citar apenas duas. 

Em janeiro de 2015, a presidenta Dilma fez um discurso no qual colocou como uma de duas prioridades a Reforma da Previdência. Ela tinha como ministro da economia Joaquim Levy, um chicago boy com ideias muito mais atualizadas do que aquelas da geração de Guedes. Isso contribuiu para que ela se tornasse mais impopular. E a Reforma não saiu. Porque era urgente, antes de arrumar as contas do país, tirar a Dilma do poder. 

Em janeiro de 2019, Bolsonaro discursa e salienta a importância de armar o cidadão de bem. A Reforma da Previdência até saiu, mas precisou de amplo esforço de políticos civis (afinal tínhamos um Rodrigo Maia sem o ímpeto revanchista de Eduardo Cunha). Enfim, o projeto de governo do Bolsonaro era armar a população. Ele não conseguiu por duas grandes razões: 1) nem todo cidadão de bem tem dinheiro para comprar armas por vias legais e 2) veio uma pandemia. E o projeto econômico do governo tornou-se irreconhecível. 

Como o militarismo atuou na pandemia? Só sei falar dos da ala bolsonarista (quero acreditar que são poucos). Alguns assumiram o discurso negacionista, mas não tinham muito protagonismo. Esse protagonismo só surgiu com Pazuello, militar da ativa com experiência em logística. Bom, ou por falta de empatia ou por limitações cognitivas, essa experiência em logística não ajudou muito no combate à pandemia. Mesmo notificado com antecedência, o Ministério da Saúde no comando de Pazuello não evitou que faltasse oxigênio na fase mais crítica de Manaus. As compras antecipadas de vacina (estratégia adotada por inúmeros países) não ocorreram.  E o resultado da falta de uma gestão adequada todos conhecem. Os que não associam o desastre sanitário brasileiro a um problema de gestão do governo federal, estão cegos. Ou mortos. 

Mas na semana passada houve tempo e energia para uma crise entre governo e Forças Armadas. A demissão do Ministro da Defesa, Fernando Azevedo, foi vista por muitos como algo positivo. A interpretação de que os militares colocaram um freio na aventura golpista de Bolsonaro é, em última análise, inocente. A reforma ministerial após a saída do general Azevedo apenas realocou alguns atores. Os militares ainda ocupam cerca de 11 mil cargos no governo. Se não há apoio explícito a um golpe, não há sinalização de que as Forças Armadas continuarão sendo uma instituição de Estado, como defendia Fernando Azevedo. 

Como justificar que parte das Forças Armadas esteja focada em manter-se no poder em vez de auxiliar efetivamente no combate à pandemia?  

No projeto de orçamento para 2021, aprovado no dia 25 de março, os recursos para investimento em áreas essenciais à COVID-19 foram drenados. A área de Ciência e Tecnologia sofreu o maior corte, 28,7%, ficando com apenas R$ 8,36 bilhões. O Ministério da Defesa, um dos únicos que teve aumento no orçamento, ficou com mais dinheiro que a Ciência e Tecnologia: um total de 8,8 bilhões. Enquanto os profissionais de saúde estão na linha de frente do combate ao coronavírus, o orçamento proposto pelo governo para 2021 só prevê reajuste salarial para as Forças Armadas.  

“E a cena triste insiste em te dar um papel”


Imagem de Destaque: Raquel Melilo  e Renata Fernandes Maia de Andrade

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