Civilização às margens do Rio Madeira: História da Educação Feminina nos Sertões do Guaporé

Cleicinéia Oliveira de Souza

Esta narrativa sobre o chamado processo de “civilização às margens do Rio Madeira” retrata, primeiramente, o ano de 1940, quando as alunas do Colégio Maria Auxiliadora, de Porto Velho, desfilavam pelas ruas da cidade, mas não era desfile de 7 de setembro! Era a homenagem realizada pela população de Porto Velho devido a visita do presidente da República do Brasil, Getúlio Dornelles Vargas. É possível inferir que a visita presidencial foi intencional. Vargas não veio apenas para conhecer e visualizar os belos Rios e florestas da região. Além de tudo isso, vigorou o ideal intrínseco de conhecer o ambiente e traçar meios de povoar a localidade, cujo o despovoamento dominava e ainda havia o esvaziamento econômico na região.

Apesar da migração de nordestinos e sulistas desbravando as florestas dos seringais, o número significativo de mortes pelas moléstias da floresta amazônica dizimou e afastou os brasileiros sonhadores e esperançosos de se estabelecer na localidade. Diante de tal situação, Aluízio Pinheiro Ferreira, naquele no período, chefe do pelotão de fronteiras da região e diretor da Estrada de Ferro Madeira Mamoré, cuidou de recepcionar o presidente Vargas com privilégios disponíveis na região. 

Após 118 anos da independência do Brasil, lá estava a população de Porto Velho e região recepcionando o presidente do Estado Brasileiro e entre a população, ali, apresentava-se as estudantes da instituição educacional Maria Auxiliadora, vestidas apropriadas para a ocasião, com blusas de manga comprida e saias abaixo do joelho, com meias calças e sapatos, representando as moças de idoneidade ilibada da sociedade portovelhense e região, já que as moças estudavam em uma instituição administrada por irmãs religiosas da Igreja Católica, que ofertava o curso Normal Rural para formação de professoras rurais. Era um instituto de educação privado voltado, apenas, para a formação das moças de famílias abastadas. E as moças que não possuíam recursos financeiros, o que faziam? Provavelmente, não frequentavam os cursos, pois não existiam escolas normais públicas na região, naquele período. Ainda assim, elas eram partícipes do processo de formação popular daquela região. Mesmo sem escolarização adequada ao exercício docente, as moças pobres lecionavam nas escolas rurais apenas com o ensino primário, ou com o mínimo de escolarização que possuíam. Eram as denominadas professoras “leigas¹”. Ainda que consideradas leigas, as professoras do Guaporé contavam com conhecimentos distintos e de leigas não tinham nada! 

Utilizando-se do que está presente na figura acima, a população observava, pelas laterais da rua, a passagem das moças e das demais pessoas que desfilavam para o Presidente do Brasil. Na parte superior da foto, vislumbra-se um palanque, feito especialmente para acomodar Getúlio Vargas e companhia, ou seja, os demais representantes do poder público e autoridades presentes.

Após a visita do Presidente Getúlio Vargas à cidade de Porto Velho, se instaurou a ideia de incluir a localidade que pertencia ao estado do Amazonas ao projeto maior do governo federal, propondo criar Territórios Federais com terras desmembradas dos estados de Mato Grosso e Amazonas. Assim, em 13 de setembro de 1943, foi criado o Território Federal do Guaporé, com partes das Terras do estado de Mato Grosso e parte do estado do Amazonas, de modo que o município de Porto Velho passou a pertencer ao Território Federal do Guaporé.

Porto Velho era capital do Território e o governo federal tornou-se o responsável pela administração maior da localidade. Desse modo, aumentou o fluxo de migração para a região e, consequentemente, criaram mais escolas para atender as filhas e filhos da população. Mais tarde, em 1948, instituiu-se o Curso Normal Regional Carmela Dutra, o primeiro curso no Território Federal do Guaporé a formar professoras e professores regentes de ensino. Este curso normal regional era público e foi ofertado para as moças de Porto Velho e região do Território Federal do Guaporé. 

Pode-se dizer, então, que a partir da visita de Vargas e posterior à criação do Território Federal do Guaporé, hoje, atual estado de Rondônia; houve uma suposta ampliação da civilização às margens do Rio Madeira. A educação das mulheres aumentou gradativamente, sendo possível dizer, atualmente, que as mulheres do Guaporé fizeram parte da História da Educação do estado de Rondônia. Elas assumiram a função de lecionar, muitas com o ensino que foi ofertado no período; enfrentaram situações adversas, tanto de locomoção para as localidades que iam trabalhar, e também, com parcos os materiais pedagógicos; mas, mesmo diante de dificuldades, as moças/mulheres professoras guaporenses tiveram significativa contribuição na escolarização da população do estado de Rondônia. No Giro do Bicentenário por Rondônia, é importante darmos visibilidade à trajetória de tantas mulheres esquecidas pelos livros de história, mas que também fazem estórias e contribuem socialmente em diferentes territórios brasileiros. 

1 – Doutoranda do Programa de Pós-Graduação em Educação (UFMT/IE). Pesquisadora do Grupo de Pesquisa e Estudos em História da Educação, Instituições e Gênero (GPHEG) – UFMT e Grupo de Estudos e Pesquisas sobre Relações Raciais e Migração (GEPRAM) – UNIR. Contato:
cleicineiao.souza@gmail.com

2 – Leigos que não possuem conhecimento específico sobre determinada área ou pessoas que não receberam ordens sacras. No texto refere-se a professoras leigas que não tinham formação específica para atuação em sala de aula.


Fonte: Rondonia Agora

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