Na estrada de terra, empoeirada, esburacada
Vai o ônibus lento fugindo dos buracos traiçoeiros
Da janela o homem de pele morena e cabelos grisalhos
As rugas na testa, nos cantos da boca os sulcos do tempo
Seus olhos cansados, ainda conservam o brilho suave
Dos tempos passados, da esperança que ainda resiste
Da janela estreita do velho ônibus, observa a paisagem
Às vezes de verde exuberante, às vezes árida, sombria, vazia
Ao longe nuvens esparsas pintam o azul do céu de outono
Os olhos cansados, fitos no infinito observavam com cuidado
À procura de algo novo, de algum detalhe que relembre o seu passado
Da janela do ônibus, observa ao longe o velho casebre
Imagina as pessoas que poderiam de habitá-lo
Ao redor da casa um cão vadio, magro, sem forças pra latir
Reflete a condição de penúria, talvez fome e miséria
Daqueles que ali vivem, talvez, apesar de tudo felizes
Talvez esperando a chuva, trazendo com ela a flor da primavera
Da janela do ônibus empoeirado, o homem pensa na vida
Relembra o passado, os momentos felizes, o prazer da infância
Relembra o carinho dos amigos e das mulheres que passaram
Os tempos tristes, as angústias e os sofrimentos que ficaram
A vida, pensa ele: é como a estrada, está em movimento
Alterna paisagens alegres, às vezes tristes como um lamento.
Dentro do ônibus, um pequeno grupo de viajantes
Cada um com seu pensamento, com sua alegria, com sua aflição
Todos nas janelas, observam a paisagem, forçam a visão
Será que todos eles veem a mesma paisagem sempre fixa?
Talvez, absortos em seus pensamentos, trancados na intimidade
Nem notem o cão magro, o velho casebre com dignidade
Da janela do velho ônibus em constante movimento
A paisagem lá fora é a aquarela que mancha a tela
Da pintura do mundo, imundo, às vezes árido, às vezes fecundo
A velha aquarela, manchada, desbotada, do velho cão
É o reflexo da vida, sofrida, abalada, reflexo do mundo
O homem grisalho na janela do ônibus
Talvez seja apenas o reflexo de sua própria solidão.
Imagem de destaque: Isaac Daniel