Cinco atos institucionais da educação escolar: de uma educação banco-autoritária a uma educação para a liberta-ação

Arnaldo Mesquita Santos Júnior1

Os atos institucionais foram mecanismos da ditadura cívico-militar brasileira para criar normas e garantir a efetiva ação de seu poder, pois bem, guardadas as devidas proporções, o que pretendemos neste texto é pensar nos atos institucionais da educação escolar, ou seja, normas, práticas, nem sempre declaradamente oficiais, que se efetivam no cotidiano, em nome da ou para manter a ordem. 

A metáfora é pesada, como também é a violência de tais atos, mas, acredito que o fundamental, como em todo processo democrático, é conhecermos as artimanhas, as táticas, as estratégias dos sistemas, para que possamos, tanto quanto mais criticamente possível, nos posicionar dentro do jogo, provocando tensões, mudanças, outras possibilidades de agir em direção a uma sociedade com mais justiça e equidade.  

Estes atos são verificações de nossa prática como professoras/es-pesquisadoras/es, ao refletirmos sobre gênero e sexualidade no campo da educação escolar. Neste caminho, verificamos cinco atos instaurados na instituição escolar (que por excelência é banco-autoritária), a saber: 

Ato I: “Só de brincadeira”: Todas as coisas proibidas, que não podem sequer ser ditas, devem ser ensinadas através de brincadeiras – leves, risonhas –, que transmitem de forma velada o comportamento (in)desejável e demonstram o castigo destinado àqueles que ousarem desobedecer. É “brincando” que se ensina a ser menina e a ser menino, e que um, necessariamente, deve gostar e se relacionar com o outro, devendo qualquer outra forma de manifestação afetiva ser proibida e escondida. 

Ato II: “Quer saber? Não pergunte”: Assuntos desautorizados não podem ser mencionados. Tabus são tabus e devem ser respeitados. Aqueles que tiverem alguma curiosidade, que sejam advertidos e aqueles que insistirem em perguntar algo, que sejam ridicularizados. Principalmente se o assunto for no campo da sexualidade e do gênero, que seja mantido restrito à família, lugar de reprodução da ordem “natural” das coisas. A escola não é espaço para tais questões. 

Ato III: “Não proves do fruto proibido”: Aquilo que é proibido e censurável deve ser odiado, excluído, se possível esquecido e nunca experimentado. Aqueles/as que subvertem a norma e tocam no que é tido como errado, passarão também a ser objeto de exclusão e punição. 

Ato IV: “Machismo, presente”: O macho é superior à fêmea e, por consequência, o homem é superior a mulher, esta é a lei divina e natural, portanto, a assimetria entre homens e mulheres deve ser naturalizada em todos os espaços e ações. 

Ato V: “Você não existe”: Qualquer um que insista em descumprir quaisquer destes atos institucionais será considerado inexistente e tratado como tal, todos os dias, até que sucumba e desapareça totalmente. 

Estes atos institucionais estão permanentemente em vigor nas escolas e já se apresentam prevendo sanções àqueles que ousarem negá-los, como em qualquer regime ditatorial. Tais atos não se fundam de forma sistematizada, eles se insinuam silenciosamente, são repetidos em pequenas ações, são internalizados, reproduzidos nas práticas cotidianas, mesmo daquelas pessoas cheias de boas intenções. 

A proposta de uma educação outra, uma educação para a liberta-ação, aposta que é preciso escancarar tais atos, que é preciso gritar que “o rei está nu”, que é preciso haver oposição a eles, mas, muito mais, que é preciso dissolver suas ações efetivas, subtraindo a força das suas práticas, pois, como diz o adágio popular: “não há tirania que resista a três boas gargalhadas ao seu redor”. 

Assim, que as pessoas comprometidas com a liberta-ação, com uma democracia radicalmente plural, estejam atentas (especialmente no campo da educação e da educação escolar) aos atos instituídos, às suas formas e às suas repetições e, conhecendo-as, que as enfrentem por meio de outros atos, no cotidiano escolar. Assim, ali onde o riso, a brincadeirinha e a piada forem violentas, que sejam levadas a sério, de modo que rir passe a ser, por si só, ato próprio de resistência. 

As dúvidas, as questões, os tabus, devem ser acolhidas com reflexão, debates, pesquisa, e não relegadas à proibição e ao silêncio. É possível romper com tais atos institucionais, é possível pensar e produzir outras instituições, outras formas e sistemas que organizem o mundo, e acreditamos que a educação (toda ela, e também a escolar) é uma grande ferramenta nesta (des)construção. Se a educação escolar tem sido banco-autoritária, repetindo o mundo, dando a ele status de verdade inquestionável, uma educação para a liberta-ação grita, como em dores de parto, para ser trazida à vida, transformada e transformando o mundo e as relações. 

 

1 – Mestre e doutorando em Psicologia pela Universidade Federal de São João del Rei (UFSJ). Núcleo de Estudos em Gênero, Raça e Direitos Humanos (NEGAH/UFSJ)


Imagem de destaque: Agencia Brasilia

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *