Ciência, Literatura e a Leitura do Mundo

 Paulo Cezar S. Ventura

 

Trajetórias de trilhões de nano e micropartículas
Se alteraram em microssegundos, repentinamente:
Ela sorriu-me arrebatadoramente.
E o mundo se desorganizou em novos caminhos.
É o caos instalado.

O ano era 1971, início do mês de março. Eu havia acabado de passar no vestibular, unificado, e feito minha matrícula para o curso de Física na UFMG. As aulas ainda não haviam se iniciado e eu jogava futebol ao fim de tarde em um campo improvisado no pátio da comunidade onde morava. Ao completar meus dezoito anos meu pai me presenteou com um “você agora está por sua conta, tenho mais oito filhos para criar” e eu não tinha a menor ideia sobre o que fazer, as aulas eram diurnas. 

Um carro parou na beira do campo e uma mulher morena de óculos escuros deixa o volante e grita meu nome. Aproximo (eu a conhecia) e ela foi dizendo: “Você tem dez minutos para trocar de roupa e vir comigo. Preciso de um professor de Matemática para começar hoje na escola onde sou diretora”. Assim, no susto, comecei minha carreira de professor de Matemática e Física, longa, de quarenta e três anos. E não me afastei da Poesia.

E por que Física? Até hoje é uma pergunta com respostas duvidosas. Eu tinha duas paixões: a Matemática e a Poesia. E meu professor de Física no Ensino Médio me convenceu a estudar Física. E antes mesmo de entrar na faculdade eu já tinha em mãos o famoso livro de Física Geral adotado nos primeiros anos do curso. O que eu não sabia, na época, era o quanto essa escolha iria mudar a minha forma de viver e a minha leitura do mundo. “A vida é como andar de bicicleta. Para se manter equilibrado, é preciso seguir em frente” (Albert Einstein).

Mas, Ciência e Literatura combinam? Muitos poderiam dizer que não, que as duas seguem trajetórias diferentes e usam métodos, recursos e ferramentas diferentes. Pura ilusão, no entanto. Quem consegue entender o mundo em sua dimensão rizomática, compreende que Ciência e Literatura se interligam em objetivos que se encontram na busca dos mistérios, das belezas, das possíveis verdades e dos encontros entre humanos e não humanos. Paradoxos? Nem tanto. São os paradoxos, no entanto, que instigam nossas mentes nesta busca. 

Cientistas e escritores se utilizam de mesmas ferramentas imateriais, que são a sensibilidade, a intuição e a memória, entre outras. Para ambos, o amor e a paixão pela humanidade são elementos essenciais para o trabalho comprometido e responsável com a realidade e o momento histórico no qual estão inseridos. Tanto o cientista, quanto o escritor, precisa, primeiro, pensar como poeta. Ambos são, essencialmente, sonhadores e contadores de histórias. Tudo que têm é uma história a ser contada, depois de pesquisar a sua essência. Têm um objetivo e um princípio (hipóteses?). E os meios vão se encaixando aos poucos, conforme o trabalho se realiza. 

Começar como poeta é o que sugere J. R. R. Tolken, cientista (filólogo) e escritor, autor de Senhor dos Anéis. E foi o que fez Guimarães Rosa, médico, que primeiro escreveu Magma, um texto de poesia, premiado, mas publicado muitos anos depois. Muitos outros cientistas foram também escritores de ficção, a começar por Johann Wolfgang von Goethe, escritor muito conhecido, que também era cientista. E sua Teoria das Cores, foi contestadora de um dos grandes ícones da ciência na época, exatamente Sir Isaac Newton. E teve trabalhos publicados em Morfologia e uma coleção de minerais imensa. 

Entre os meus cientistas escritores preferidos está o argentino Ernesto Sabato, físico, doutor e pesquisador em Física das Radiações, que chegou a trabalhar no famoso Laboratório Juliot-Curie, de Paris. Eu conheci o Sabato, físico, autor de livros de Física para estudantes de nível médio. Comprei a coleção inteira. Tínhamos em comum o fato de que o amor à Geometria nos levou a estudar Física, mas isso eu só fiquei sabendo lendo sua biografia. Um belo dia, para surpresa geral, largou a carreira de professor e pesquisador para se dedicar à Literatura. 

Outro escritor e cientista de minha lista de preferências é Leonard Mlodinow, também físico, que trabalhou em gabinete ao lado de Richard Feynman, prêmio Nobel em Física, na Universidade de Califórnia. Mlodinow escreveu vários livros de divulgação científica e se tornou roteirista de séries famosas de Hollywood, como MacGyver e Star Trek: The Next Generation. Por puro acaso, ele estava no World Trade Center em 11/09/2001 e, também por puro acaso, sobreviveu.

E o que aprendi com a Física com relação à minha leitura do mundo? Primeiro, que é preciso encontrar suas próprias soluções para os problemas. Depois, que no mundo nada é o que parece, é preciso investigar nas subcamadas. E que a natureza tem suas leis e regras, precisamos saber lê-las. E a Física nos ajuda, e muito, nessa tarefa, entre outras coisas. 

Dádiva de envelhecer
É perder a noção do tempo.
Perde-se a medida do tempo,
Ganha-se o tempo:
Inteiro!


Imagem de destaque: Pixabay

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