Arte, cultura e a busca de novas ferramentas críticas para compreender a educação contemporânea

Roberto Rafael Dias da Silva

A arte sempre ocupou um espaço importante para compreender a vida humana, em seus variados tempos. Ernest Fischer, em seu conhecido livro “A necessidade da arte”, expõe que a presença da arte contribui para tornar a realidade mais hospitaleira para a nossa chegada, incitando-nos à compreensão e à ação. No ano de 1949, Adorno, em seu texto Crítica Cultural e sociedade, questionou se existiria poesia após Auschwitz. De acordo com o filósofo, em tom provocativo, “escrever um poema após Auschwitz é um ato bárbaro, e isso corrói até mesmo o conhecimento de por que se tornou impossível escrever poemas”. Diferentes interpretações têm sido possíveis em torno desta temática; entretanto, para esse ensaio, buscarei pensar os modos pelos quais a arte e a cultura podem nos oferecer ferramentas críticas para compreender a educação contemporânea.

Produzirei uma convergência com estas preocupações acadêmicas (e políticas) me alinhando ao posicionamento do filósofo que nos convoca a uma reflexão sobre o que haveria restado de humano em nós após as barbáries vistas no século XX – e repetidas neste início de século XXI. Adorno pergunta sobre a poesia; mas, poderíamos ampliar essa formulação interrogativa e indagar se ainda haverá lugar para dança, cinema, literatura para tantas atividades relacionadas ao desenvolvimento cultural da nossa sociedade nesse contexto que vivemos. Retomando análises adornianas posteriores a esse texto, precisamos lembrar que, para o filósofo, toda educação é necessária para que Auschwitz não se repita. Assim, gostaria de lembrar que a arte torna-se cada vez mais urgente e necessária para denunciar certas sutilezas da nossa organização social que sem ela, possivelmente, demoraríamos muito para perceber e denunciar.

Em tais condições que escolho comentar nesta coluna uma narrativa cinematográfica que me tocou profundamente nas últimas semanas. Trata-se do filme “Você não estava aqui” (Sorry, we missed you), do roteirista Paul Laverty e do diretor Ken Loach, lançado no início desse ano no Brasil. A dupla que ficou conhecida pelo seu excelente trabalho no filme “Eu, Daniel Blake”, nesse novo projeto aponta para os perigos do discurso de empreendedorismo neoliberal que converte o cidadão em empresário de si sob uma falsa promessa de liberdade e maiores ganhos; mas, que acaba convertendo-se em precarização do trabalho e subsunção da vida. O personagem Ricky Turner dá vida a esse discurso: trabalhando 14 horas por dia e controlado por algoritmos que ditam um ritmo de trabalho praticamente impossível. O pai de família nos apresenta a parte invisível de um sistema que, para garantir o nosso conforto, muitas vezes gera o sacrifício de muitos.

O filme nos provoca a realizar muitas análises e possibilidades interpretativas variadas emergem desta narrativa; porém, em nossa percepção, uma linha central poderia consistir na uberização do trabalho e na subsunção da vida pelos algoritmos representados no dia a dia de Ricky Turner. Outra possibilidade seriam as dimensões do trabalho reprodutivo apresentadas pela personagem Abby, esposa de Ricky, que realiza o trabalho de cuidadora de idosos e pessoas com deficiência além dos cuidados com a casa e com os filhos. Todavia, escolho analisar as relações das juventudes contemporâneas apresentadas no filme pelo filho mais velho do casal – Seb – que, aos 16 anos, busca exercer sua liberdade e rebeldia realizando pichações nos muros da cidade. Seb é descrito no filme como um estudante que sempre teve uma trajetória escolar exitosa; entretanto, ao não mais acreditar nas promessas desta instituição, desiste e passa a faltar aulas e não mais realizar as atividades escolares. O jovem, em uma cena marcante do filme, ao ser confrontado por seus pais sobre o seu desempenho acadêmico, questiona se deveria estudar tanto para ter uma vida igual à dos seus pais ou para entrar em uma faculdade e passar o resto da sua vida trabalhando em um emprego precário para pagar uma dívida estudantil.

O capitalismo contemporâneo, com suas variadas modalidades de subsunção da vida, coloca-nos diante da necessidade de construir novas perguntas. Reconhecendo o potencial da arte para antecipar determinadas questões e ampliar nosso repertório crítico, com a narrativa de Ken Loach podemos pensar sobre os desafios para educar as juventudes contemporâneas. A pergunta que tenho me feito nas últimas semanas, especialmente marcadas pelas condições pandêmicas e pela necessidade de revisar os marcos da escola capitalista, refere-se às promessas que permeiam a escola das juventudes no presente. Que narrativas para o futuro serão construídas pelas subjetividades constituídas neste tempo? Conseguiremos ultrapassar a lógica do autoempresariamento (descritas no filme aqui comentado), sem recorrer aos modelos da escola do capitalismo industrial como única alternativa? Que a arte nos inspire na direção de novos possíveis para reeditarmos nosso campo de expectativas sobre a escola e seus projetos formativos.


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