Adorno, a sociedade de consumo e a crítica

Joachin de Melo Azevedo Neto

Adorno foi outro dos grandes expoentes da Escola de Frankfurt. Também oriundo da burguesia de origem judaica da Alemanha, foi sociólogo, músico e compositor. Sua tese de doutorado consistiu em um estudo aprofundado sobre o pensamento fenomenológico de Husserl. O próprio Horkheimer, no prefácio de Teoria crítica, afirmou que Adorno era o integrante da Escola de Frankfurt com o qual mais possuía afinidades intelectuais. Um dos ensaios de Adorno mais conhecido é intitulado Indústria Cultural e Sociedade de Consumo. 

Composto de três ensaios, sendo “O iluminismo como mistificação das massas” assinado em parceria com Horkheimer, basicamente, Adorno discordava do discursos simplistas que foram disseminados na época de que a ascensão do fascismo e do nazismo na Europa nasceu do fanatismo e da irracionalidade. Pelo contrário. Para esse sociólogo e filósofo, o totalitarismo e suas representações colossais, como estátuas, museus, teatros, desfiles militares, discursos de líderes estadistas, filmes e músicas, sustentado financeiramente por uma rede de cartéis industriais, é fruto de uma sociedade que supervalorizou a especialização e a técnica. 

No mesmo livro, o ensaio “Crítica cultural e sociedade” apresenta, de modo mais sistemático, a proposta frankfurtiana de fundamentar um método crítico para as ciências sociais. Esse texto apresenta uma série de polêmicas contra o status quo desfrutado pelo crítico de arte na sociedade burguesa. Por exemplo, em iconografias, imagens e literaturas nas quais são representadas dramas humanos complexos, Adorno acusa os críticos tradicionais que enxergam nessas manifestações apenas questões de forma e de estilo de serem aristocráticas. Isto é: o crítico cultural, na sociedade burguesa, passou a exercer as vaidosas funções de censor, propagandista e juiz. Uma crítica das manifestações culturais, de acordo com Adorno, deve ser criteriosa, erudita e emancipadora. Os julgamentos desonestos e cínicos que um crítico de arte pode proferir contra uma obra de arte, se valendo, por exemplo, do valor moderno da liberdade de imprensa, são práticas extremamente nocivas, segundo Adorno, para a emancipação intelectual do público.

Uma cultura só é verdadeiramente livre, segundo o autor, quando é crítica. Daí a raiz da comparação feita por Adorno entre os críticos de arte que conhecia, em meados do século XX, com os adeptos do fascismo na II Guerra: sem uma reflexão crítica, a apreciação das obras de arte torna-se mera fonte de idolatria de grandes cânones e de culto a personalidades excêntricas. Os críticos de arte não deveriam se valer de uma postura herdada do iluminismo, acreditando que possuíam uma racionalidade situada em um nível superior ao de uma sociedade supostamente irracional. 

Quando adota perspectivas estetizantes para falar sobre as artes, fortalecendo os discursos dominantes, o crítico cultural acaba submergindo também na irracionalidade estimulada pela sociedade capitalista. Esse ensaio possui uma frase profundamente impactante: “depois de Auschwitz, escrever poesia é um ato de barbárie”. Quer dizer, no contexto pós-II Guerra, esse filósofo estava convocando os teóricos das ciências humanas e artistas a se engajarem em uma crítica contra a conjuntura capitalista internacional que possibilitou, em nome da razão e da técnica, não o florescimento do progresso e sim o planejamento com frieza do genocídio de minorias

Portanto, pode-se concluir que uma das maiores contribuições do método crítico para o ofício de sociólogos, historiadores e filólogos, reside nesse tipo de cobrança, feita por Adorno, de que é necessário um constante estado de alerta para que a reflexão sobre a cultura humana não desemboque em mera contemplação ou deslumbramento com o progresso. O estudo das relações entre cultura e economia, na esteira do pensamento de Adorno, precisam estar alicerçados em observações e em uma inteligência crítica. Essa lição, feita em 1949, ainda é de uma preciosidade e atualidade imensa.

 

Sobre o autor

Doutor em História Cultural pela UFSC. Professor de História Cultural da Universidade de Pernambuco – UPE/Campus Petrolina. Coordenador do Grupo de Estudos e Pesquisas em Política e História Literária – GEPPHIL. E-mail: joachin.azevedo@upe.br


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