A privatização dos deveres do Estado

Wojciech Andrzej Kulesza

Muitos são os desencantos associados com a educação, a começar pelo descaso das autoridades governamentais para com esta importante agência social. Talvez a frustração maior, por atingir os que atravessam a idade da vida na qual a ânsia de encontrar uma vocação se manifesta mais fortemente, seja a dos desiludidos com os resultados de sua formação. Com o diploma na mão em busca de realizar seu jeito de ser, o recém-formado inicia sua procura no mercado de trabalho convicto do seu grande valor, tantas vezes apregoado na escola. A busca continua enquanto não obtém a posição almejada e lhe acenam ofertas para trabalhar em postos considerados inferiores à sua competência. Muitos se conformam com essa primeira decepção: é cada vez maior o número de advogados, engenheiros, médicos, empregados em atividades muito aquém daquelas para as quais foram preparados.

Mesmo os que persistem nessa verdadeira saga em busca da realização de sua vocação terminam por se empregar em atividades que estão longe daquelas prometidas nas faculdades. Desmancha-se assim a ilusão de que o curso superior seja capaz de garantir uma ocupação específica, um emprego estável com status social, prestígio e rendimento vantajoso, benefícios insinuados durante a formação. Por outro lado, contrariando os postulados da teoria do capital humano, a oferta de educação em número crescente não diminui, e muito menos resolve, nossos problemas sociais, a começar da brutal desigualdade reinante no país. Assim, o desprestígio profissional subjetivo dos formados associado ao agravamento objetivo de suas condições de existência, coloca em xeque todo o ensino superior, mantido permanentemente em crise.

Como decorrência direta de sua posição na estrutura de classes na sociedade brasileira, a maior parte dos estudantes das universidades públicas têm sua saga em busca de emprego atenuada, e até abreviada. A pós-graduação oferecida por essas instituições, diretamente envolvida com pesquisa e inovação, costuma ser um estágio obrigatório no caminho do mercado de trabalho, como é atestado pela atual voga dos mestrados e doutorados ditos “profissionais”. Este não é o caso das instituições de ensino superior privadas, onde está matriculada a grande maioria dos alunos, já que os cursos de pós-graduação oferecidos por essas instituições, geralmente de atualização, aperfeiçoamento ou especialização, servem apenas como sala de espera na busca por uma oportunidade de emprego, uma vez que eles apenas retomam os conhecimentos já abordados durante a graduação.

É paradoxal que sejam justamente os que pagam pelo ensino, como se adquirissem uma mercadoria, os mais prejudicados pela perda de valor desse produto no mercado. Pagando caro, muitas vezes se endividando com empréstimos a serem quitados por salários auferidos futuramente no exercício da função para a qual estão sendo preparados, os estudantes do ensino superior privado estão comprando um produto sem nenhuma garantia. Muitas vezes, trabalhando durante o dia para estudar à noite, eles estão sendo levados a investir num diploma cujo valor se reduz apenas ao simbólico, sem nenhuma importância para a empregabilidade do portador. Longe dos centros de pesquisa e desenvolvimento, esses estudantes irão conhecer ao vivo as experiências dos datilógrafos, linotipistas, torneiros e outros profissionais descartados no processo de reestruturação produtiva.

Desde a criação do MEC em 1930 (o qual, de modo premonitório, foi denominado Ministério dos Negócios da Educação e Saúde), a política do Estado nacional para o ensino superior tem se confrontado com setores sociais que buscam, senão se apossar, ao menos partilhar do seu dever para com a educação. Primeiro, a Igreja Católica, a seguir os empresários do ensino, depois o capital internacional, todos ambicionando um lugar nesse importante espaço formativo, procuraram se apoderar, com maior ou menor sucesso, desse nível de ensino. Nesse embate, as Instituições Federais de Ensino Superior, responsáveis por conduzir a política educacional do Estado no setor, vem sofrendo no decorrer do tempo ataques tão violentos que chegam a propor simplesmente sua extinção imediata com a privatização do MEC.

Hoje assistimos estarrecidos aos mais estapafúrdios argumentos para desclassificar essas instituições, desde a acusação de veiculação de ideologias contrárias ao interesse nacional, até denúncias de improbidades administrativas. Vinda de diferentes setores sociais e estimulada pelo atual governo, essa ofensiva visa encobrir sua real motivação: o fim da gratuidade do ensino superior público. Como sempre, objetiva-se restringir o acesso ao ensino superior favorecendo as camadas socioeconômicas melhor aquinhoadas. O argumento economicista de que o fim da gratuidade provocaria uma migração dessas camadas para o ensino privado é ilusório, só serve para ganhar o apoio dos empresários do ensino: há muito tempo essas camadas da sociedade sabem muito bem que, para se reproduzirem, precisam educarseus filhos para as funções destinadas a priori para eles no mercado.


Imagem de destaque: Cindy Parks / Pixabay

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