A paisagem da janela

Valter Machado da Fonseca

Na estrada de terra, empoeirada, esburacada

Vai o ônibus lento fugindo dos buracos traiçoeiros

Da janela o homem de pele morena e cabelos grisalhos

As rugas na testa, nos cantos da boca os sulcos do tempo

Seus olhos cansados, ainda conservam o brilho suave

Dos tempos passados, da esperança que ainda resiste

 

Da janela estreita do velho ônibus, observa a paisagem

Às vezes de verde exuberante, às vezes árida, sombria, vazia

Ao longe nuvens esparsas pintam o azul do céu de outono

Os olhos cansados, fitos no infinito observavam com cuidado

À procura de algo novo, de algum detalhe que relembre o seu passado

 

Da janela do ônibus, observa ao longe o velho casebre

Imagina as pessoas que poderiam de habitá-lo

Ao redor da casa um cão vadio, magro, sem forças pra latir

Reflete a condição de penúria, talvez fome e miséria

Daqueles que ali vivem, talvez, apesar de tudo felizes

Talvez esperando a chuva, trazendo com ela a flor da primavera

 

Da janela do ônibus empoeirado, o homem pensa na vida

Relembra o passado, os momentos felizes, o prazer da infância

Relembra o carinho dos amigos e das mulheres que passaram

Os tempos tristes, as angústias e os sofrimentos que ficaram

A vida, pensa ele: é como a estrada, está em movimento

Alterna paisagens alegres, às vezes tristes como um lamento.

 

Dentro do ônibus, um pequeno grupo de viajantes 

Cada um com seu pensamento, com sua alegria, com sua aflição

Todos nas janelas, observam a paisagem, forçam a visão

Será que todos eles veem a mesma paisagem sempre fixa?

Talvez, absortos em seus pensamentos, trancados na intimidade

Nem notem o cão magro, o velho casebre com dignidade

 

Da janela do velho ônibus em constante movimento

A paisagem lá fora é a aquarela que mancha a tela

Da pintura do mundo, imundo, às vezes árido, às vezes fecundo

A velha aquarela, manchada, desbotada, do velho cão

É o reflexo da vida, sofrida, abalada, reflexo do mundo

O homem grisalho na janela do ônibus 

Talvez seja apenas o reflexo de sua própria solidão.


Imagem de destaque: Isaac Daniel

 

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