A ocultação dos programas de governo e a colheita dos frutos podres

Tiago Tristão Artero

Os programas de governo foram recusados pela maioria da população brasileira, em nome da prática do voto desprovido de reflexão, por parte de alguns, e de mau caratismo (leia-se, de interesses escusos), por parte de outros. Na corrida presidencial de 2018, a opção de negar o partido x ou y se deu sem o entendimento histórico da formação do Brasil, das relações sociais e do sequestro de nossos recursos financeiros e naturais pelo mercado e pelos países que ainda nos veem como colônia.

Desde a divisão da região na qual hoje é o Brasil em capitanias hereditárias, com o direcionamento de terras aos donatários no formato de latifúndios para plantar cana, os indígenas foram mortos, escravizados e, não contentes, os portugueses trouxeram africanos para o Brasil, afinal de contas, queriam mão de obra. Isto já está nos livros didáticos, mas carecem ainda as reflexões e o entendimento de que apagar rastros de humanidade destes povos dizimados, contando a história a partir da ótica europeia, é uma violência.

Violência cognitiva, pedagógica e histórica.

Nossa sociedade necessita, ainda, entender o porquê da história dos índios e negros terem sido apagadas, o conhecimento e a cultura destes povos, menosprezados.

O lucro e o produtivismo exigem níveis de desumanização agudos, por isso os africanos vinham espremidos nos navios e boa parte morria. Ou seja, quanto mais pessoas (mesmo que não fossem vistos como humanos) em cada navio, melhor para os sedentos pelo lucro (estas mortes, hoje, se manifestam na travessia diária de imigrantes e na miséria humana decorrente da falta de acesso às condições básicas de sobrevivência).

Sabotar os engenhos, “desobedecer”, fugir, envenenar os senhores e, especialmente, formar os quilombos eram formas de resistência.

Hoje, ainda há a tentativa de dificultar o resgate da história das índias e índios, bem como das africanas e africanos que para cá foram trazidos, sob a justificativa de que estamos em outros tempos – mesmo que para isso as bases de formação da nossa sociedade, em suas relações e distribuição de riqueza, sejam negadas. Dessa forma, naturaliza-se a violência nas periferias, atribui-se aos mais pobres a responsabilidade pela própria pobreza e questionam-se as ações afirmativas que, calcadas na história, possuem papel de humanização.

Durante o período eleitoral, o debate não se deu no campo das ideias. A mídia e os grupos que apoiaram a eleição do atual governo, sob o pretexto de “consertar” o país, não apresentaram propostas com embasamento na ciência e negaram veementemente a discussão de que quase metade dos nossos recursos “alimenta” o sistema financeiro, num fortalecimento escrachado do obscurantismo, predominantemente, beligerante. Um único argumento imperava: o país está quebrado por culpa das gestões anteriores.

A ignorância popular em relação à dívida pública (e os impactos que isso causa no país e na vida das brasileiras e brasileiros) e a acusação de ideologização em torno das pautas sociais indicam o quanto os oprimidos introjetaram o discurso dos opressores.

Quando determinada pessoa nota somente a sigla dos partidos políticos e criminaliza as pautas sociais destes, em especial, dos partidos de esquerda, há a clara demonstração de que as pautas sociais estão colocadas como secundárias. Assim, desprezam as ideias e se apegam às aparências construídas (pela mídia empresarial, em grande parte, uma vez que esta representa os interesses de quem detém o capital).

Fazem tudo isso, mesmo que tenham que colocar no poder representantes que não possuem pauta social alguma.

Esse fenômeno está tão presente nestes últimos anos que parte considerável dos eleitores não leram os programas de governo antes de votar, mesmo os mais letrados por confiar em representantes que, supostamente, governariam sem ideologias. Isso é muito grave, é a decadência da efetividade da participação popular na escolha de programas e, consequentemente, de políticas públicas para que, em troca, sejam alocados mecanismos de perpetuação da hegemonia do capital em detrimento da vida humana, ainda que, para que isto ocorra, o chefe do executivo anuncie, claramente, a destruição de conquistas anteriores e negue a função social da ciência.

A violência se manifesta na não aceitação da opinião contrária e no fato de que meio ambiente, saúde, educação, desenvolvimento científico e tecnológico, distribuição de renda, desenvolvimento industrial e segurança são postos como elementos secundários e não prioritários, podendo ser, em muitos casos, empecilhos para o domínio do capital improdutivo. Sendo empecilhos, são passíveis de destruição.

Infelizmente, mesmo que já esperado, a mídia empresarial não traz à tona os elementos do parágrafo acima, fazendo com que o debate fique restrito a poucos ambientes, dentre eles, o acadêmico, gerando, dessa maneira, ataque da elite frente a estes espaços de reflexão e resistência.

Enquanto a população se furta ao debate consciente a respeito dos programas de governo, a vida humana perece na violência inerente ao próprio desenvolvimento do capital. Como os programas não são debatidos de maneira ampla na sociedade permanecem ocultos, escondidos, mesmo que não estejam, fato que  naturaliza a colheita dos frutos podres.


Imagem de destaque: Xyla Abella/Unsplash

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