Pedagogia para os 99% – traços conceituais e uma breve provocação

Roberto Rafael Dias da Silva

 

O filme “O menino que descobriu o vento”, produzido pela Netflix e lançado mundialmente em janeiro deste ano, tem mobilizado diferentes comentários e críticas. O trabalho de Chiwetel Ejiofor, em sua estreia como diretor de um longa-metragem, tem sido muito elogiado, especialmente por sua sensibilidade e pela capacidade de descrever certos dilemas humanos frente às injustiças. Ejiofor, além de diretor, trabalhou como roteirista e interpretou um dos protagonistas da trama. Seu trabalho ganhou reconhecimento através da atuação no longa “Doze anos de escravidão” e parece se consolidar nesse novo projeto. A partir de tais comentários sobre o filme, minha intenção certamente não é realizar uma crítica sobre esta produção – já temos inúmeras de boa qualidade – mas, atentar para uma aproximação entre o enredo e os desafios da educação contemporânea,sobretudo no que tange ao enfrentamento das desigualdades.

Muitos comentaristas, ao analisarem esta produção fílmica, destacam que a educação seria um dos elementos centrais do longa. No decorrer das análises destacam-se expressões como “a educação que salva”, “somente a educação pode transformar a sociedade” e até relações entre educação e empreendedorismo. Certamente o filme, ao contar a história real de William Kamkwamba, inspirando-se no livro homônimo, nos chama a atenção pela luta pelo direito à educação, uma vez que o menino é expulso da escola devido ao fato de sua família não ter dinheiro para pagar suas mensalidades e, mesmo assim, segue determinado em prosseguir com seus estudos e encontrar soluções para o problema da seca que deixava em sua comunidade rastros de fome e desespero.

A trama tem uma virada quando o menino encontra na biblioteca de sua escola um livro de ciências e consegue construir, após muitas dificuldades e com ajuda de toda a comunidade, um sistema de captação de energia eólica, possibilitando bombear água para o cultivo de alimentos na terra seca. Um dos grandes desafios do personagem é convencer seu pai a aceitar e apoiar sua ideia. Em uma das cenas mais emocionantes, e talvez a mais emblemática, o menino afirma para o seu pai que “tem coisas que ele sabe e que seu pai desconhece”. Essa tensão entre gerações e a importância das tradições é narrada pelo filme de uma forma muito sensível e aponta elementos importantes para pensar a educação contemporânea.

Outro destaque para o filme refere-se a forma como o contexto político é retratado, o que nos faz lembrar as considerações recentes de Michael Apple sobre a importância da luta pela democracia na Educação Crítica. O pesquisador ao apontar os desafios presentes para a construção da democracia na educação destaca duas disposições que precisam ser consideradas. A primeira consiste na necessidade de um reposicionamento das políticas curriculares, ou seja, é necessário que o “mundo seja visto pela perspectiva dos despossuídos”. A segunda disposição implica na necessidade de que o mundo seja visto de forma relacional, atentando para as relações de poder e as contradições que estruturam as instituições e a sociedade. Assim, podemos interrogar: como as políticas educacionais contemporâneas têm considerado a perspectiva dos despossuídos? Em nossas pesquisas temos atentado para as relações de poder que organizam a nossa sociedade? Não resta dúvidas de que será respondendo tais interrogações que poderemos começar a construção dos traços conceituais de uma educação democrática.

Enfim, uma provocação: o filme “O menino que descobriu o vento” pode nos auxiliar a construir uma pedagogia de enfrentamento das desigualdades e de promoção de um futuro humano melhor, em outras palavras, uma pedagogia para os 99%. Por meio desta narrativa redescobrimos a centralidade do conhecimento no que diz respeito ao seu potencial de emancipação humana. Por meio desta narrativa reinventamos nossa imaginação política para acreditar em novos regimes de horizontalidade política e de governança democrática. Por meio desta narrativa adquirimos força para reenquadrar as lutas por justiça social e apostar no combate às formas de destruição do planeta e de subalternização das vidas humanas. Por meio desta narrativa aceitamos construir uma pedagogia – crítica e criativa – que se reinventa nos dilemas e complexidades da vida que sopra em outros ventos de esperança!


Imagem de destaque: Netflix/Divulgação

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