Daniel Ribeiro de Almeida Chacon1
Eliana Eduardo Gomes2
Matheus Pimenta da Silva3
Raquel Tereza de Faria Campos Zarahi4
Querer bem ao educando significa que o educador “permanecendo e amorosamente cumprindo o seu dever, não deixe de lutar, politicamente, por seus direitos e pelo respeito à dignidade de sua tarefa, assim como pelo zelo com seus alunos” (p.161)
Pedagogia do Oprimido, livro escrito pelo educador Paulo Freire no Chile, quando se encontrava exilado em razão da Ditadura Militar no Brasil, no ano de 1968, só foi possível ser publicado em nosso país em 1974, por ser considerada uma obra “proibida” naquele momento. O que temer em relação aos escritos que já rodaram o mundo, convidando seus leitores e leitoras a assumirem uma perspectiva altiva e crítica diante da impiedosa realidade opressora? Para o sistema de opressão, de fato, é um livro “perigoso”. Porém, para uma sociedade que se pretenda mais justa e igualitária, sobretudo nas relações educativas, as provocações presentes na obra são indeclináveis. A Pedagogia do Oprimido estabelece um convite ao compromisso ético entre os sujeitos, à luta das professoras e professores que em consonância com os/as estudantes almejam romper com a chamada “educação bancária”. Sim, Paulo Freire, denunciava em seu livro, o “bancarismo” das relações educativas, em que estudantes eram pensados/as como “depósitos” de um saber pronto e acabado. Tal educação bancária é, indubitavelmente, construtora desse perverso modo de opressão. O rompimento da educação bancária, substituída pela dialogicidade e pela valorização do sujeito em sua dignidade e historicidade, dinamizam o lugar de homens e mulheres que foram envoltos em culturas desiguais e de silenciamento, em estruturas econômicas de exploração e do abismo na distribuição de oportunidades.
Os desafios históricos que o livro oportuniza são múltiplos e não teríamos espaço aqui para enumerá-los. Desse modo, escolhemos um ponto que consideramos central: A pedagogia do/a oprimido/a, não apenas como um livro, mas antes como visão de mundo marcada pela amorosidade e paixão pela vida, num entrelaçar dialético da razão e emoção, da estética e ética, da revolta e esperança, do ensino e práxis que visam ao compromisso coletivo de luta histórica por mudanças sociais, começando nas práticas educativas. Neste mister, a pedagogia do/a oprimido/a, como pedagogia da vida, diz respeito à luta pela dignidade humana, razão primeira dos Direitos Humanos.
A dignidade humana proposta por Freire é, em certa medida, aquela em que os sujeitos conseguem vivenciar sua vocação de gentilidade. Conquanto, conscientes das atuais condições precárias para tanto, saem amorosamente na luta coletiva por transformação. Os Direitos Humanos preconizam a importância dos coletivos de seus direitos e saberes, principalmente em um país injusto como o nosso. Ana Maria Araújo Freire salienta: “Somos um país cuja formação político-social se baseou por séculos na exclusão e na opressão determinadas pela escravidão, pelo senhor dono de terras e de gentes que em tudo e em todos mandava; na precariedade dos bens de consumo para o bem-estar da sociedade em geral. Assim, herdamos na própria carne e em nossa mente, como classe privilegiada, ou apenas dita ‘superior’, a prática da desumanização, que nega a própria existência humana: a humanidade em processo permanente de humanização, que pode fazer dos indivíduos Seres Mais. Fizemo-nos assim um povo sem a capacidade de ver o outro e a outra, de lhes assistir na garantia de ter todos os Direitos Humanos respeitados, consagrados” (p. 17). A autora aponta os traços viscerais de uma sociedade colonizada e marcada por culturas autoritárias. Desse modo, a pedagogia freiriana nos convida para sermos diferentes.
A vocação ontológica do “ser mais”, isto é, de ser gente, de ser plenamente humanizado/a, enfatizada por Freire, está em consonância com as questões históricas propostas sob a égide da Educação em Direitos Humanos, ainda que nosso autor não tenha comumente se valido de tal expressão. Alteridade, prática amorosa, luta e busca de uma educação plural e libertadora somam-se às várias formas de resistência: os/as educadores/as se colocam, assim, em prol de “ser mais”, virando a História tradicional do avesso para outras narrativas e sentidos. Viva a pedagogia do/a oprimido/a, como narrativa amorosa e propulsora de outras pedagogias!
Para Saber Mais:
FREIRE, Paulo. Pedagogia do oprimido. 60 ed. Rio de Janeiro/São Paulo: Paz e Terra, 2016.
FREIRE, Ana Maria Araújo. Apresentação. In: FREIRE, Paulo. Direitos Humanos e educação libertadora: gestão democrática da educação pública na cidade de São Paulo. Organização e notas de Ana Maria Araújo Freire e Erasto Fortes Mendonça. Rio de Janeiro/São Paulo: Paz e Terra, 2019.
1Professor da Faculdade de Educação da Universidade do Estado de Minas Gerais – FaE/CBH/UEMG. E-mail: daniel.chacon@uemg.br
2Graduanda em Pedagogia da Faculdade de Educação da Universidade do Estado de Minas Gerais – FaE/CBH/UEMG. E-mail: elianaeduardogomes@gmail.com
3Graduado em História pela UFMG e em Pedagogia pela Faculdade de Educação da Universidade do Estado de Minas Gerais – FaE/CBH/UEMG. Professor da Educação Básica na Escola Municipal Lúcia Viana Paiva – SME/Santa Luzia – MG. E-mail: ma.pimenta@hotmail.com
4Graduanda em Pedagogia da Faculdade de Educação da Universidade do Estado de Minas Gerais – FaE/CBH/UEMG. E-mail: raquel.zarahi@hotmail.com
Imagem de Destaque: Painel Paulo Freire no Centro de Formação, Tecnologia e Pesquisa Educacional. Prof. “Milton de Almeida Santos”, SME-Campinas. Luiz Carlos Cappellano.