Paulo Freire: leitura palavra, leitura do mundo!

Valter Machado Fonseca

Este título refere-se a um dos mais importantes princípios do educador pernambucano Paulo Freire, patrono da Educação brasileira, de cujo trabalho tratarei neste artigo. Um dos traços marcantes da obra de Freire reside na crença que ele tinha na capacidade de autotransformação do ser humano. Ele acreditava na essência do ser humano, enquanto sujeito de sua própria história, enquanto um sujeito em formação, em transformação. Assim, os traços relativos à capacidade do ser humano em se autotransformar perpassam toda sua obra. O pilar fundamental que sustenta seu trabalho é a capacidade que poderá ter o homem de reconhecer-se, de posicionar-se diante do mundo, visando à sua transformação, tornando-se sujeito de sua própria história. A isto ele chamava de capacidade de realizar a leitura do mundo. 

Mas, para realizar-se enquanto sujeito ativo, realizador de sonhos, diante da sociedade, da vida e do mundo, o homem precisa realizar a leitura da palavra, a qual precisa de uma verdadeira significação diante do mundo, da vida e da realidade social. Entretanto, para que o homem seja capaz de constituir-se enquanto sujeito histórico e transformador ele precisa, acima de qualquer coisa, construir a sua consciência crítica.

Mas, o que vem a ser a consciência crítica? A consciência crítica para Freire consiste na capacidade humana de formar sua consciência na vivência prática no mundo e com as coisas do mundo. Esta concepção freireana coincide, pontualmente, com a formulação de Marx que afirma que o homem constrói sua consciência dentro de um contexto histórico e social de intervenção prática na natureza, em uma ação mediada pelo trabalho. Mas, um trabalho não alienado, que liberta ao invés de aprisionar, que promove a autonomia ao invés da frustração. Neste ponto, a obra de Freire se encontra com a de Marx. 

Então, a humanização, a significação do homem diante do mudo e da vida e a consciência crítica são traços e fundamentos essenciais dos trabalhos de Freire. Estes traços perpassam toda sua obra. Para a construção da consciência crítica, o homem precisa romper com o dogmatismo, com as verdades absolutas, advindas da educação tradicional, ou “bancária” conforme suas próprias palavras. Então, a emancipação do coletivo e de si mesmo diante da opressão, dos desmandos e da tirania são elementos fundamentais que caracterizam toda a produção literária do brilhante educador pernambucano. Estes traços riquíssimos foram preponderantes e suficientes para que o regime dos generais no Brasil o mandasse para o exílio. As suas perambulações pelo mundo afora fizeram com que ele abrisse trincheiras internacionais, que foram usadas para desbravar o analfabetismo, a subserviência, abrindo lacunas para a sua luta inabalável contra a opressão, os desmandos e a dominação. 

Foi a partir dessas ideias e princípios que Freire orientou sua ação no mundo, por intermédio de seu método revolucionário de alfabetização. Para Paulo Freire de nada adianta o sujeito possuir intermináveis títulos e honrarias acadêmicas se ele é incapaz de reconhecer-se diante do mundo e da vida. Se é incapaz de “tornar-se objeto para reconhecer-se enquanto sujeito” transformador da realidade social que marca a vida da maioria dos homens neste planeta. Se estes sujeitos são incapazes disso, não estarão, de fato, alfabetizados, mesmo possuidores de todas as honrarias e títulos acadêmicos. 

Um dos principais eixos da educação libertadora proposta por Freire é o combate acirrado à dominação e opressão dos “de baixo”. Esses podem ser entendidos como os excluídos da sociedade capitalista, os “demitidos da vida”, os “esfarrapados do mundo”. Sua obra acredita na intenção de mudança, presente em cada ser humano, na conscientização dos “de baixo” que são, a todo instante, explorados pelos “de cima”. A sua proposta de alfabetização de adultos procura resgatar a dignidade daqueles que durante toda a vida construíram a riqueza de uma nação, e pelo preconceito, pela fadiga e pelo cansaço não conseguem mais gerar o lucro dos patrões e, por isso, são considerados descartáveis.

Nesta direção, Freire construiu sua trajetória de vida neste mundo. Nunca perdendo de vista a capacidade de libertação diante da opressão, diante da vida, ele foi desbravando as fronteiras do analfabetismo, foi rompendo as amarras que mantém os sujeitos atados às coisas secundárias, que os fazem instrumentos passivos diante de um mundo marcado pelas injustiças, pela miséria e pela opressão.

Assim era Paulo Freire! Assim foi este admirável educador, cuja maior preocupação sempre foi a luta pela autonomia do homem diante de sua própria opressão. Sua vida foi marcada, essencialmente, pela inabalável batalha em favor da autonomia em sua forma mais plena. Por uma autonomia que seja capaz de alçar o homem ao patamar mais alto de sua existência. A autonomia e a emancipação que podem levar o homem à sua condição mais sublime, ou seja, de tornar-se essencialmente humano! 


Imagem de destaque: Ricardo Romanoff

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