Imaginando os piores cenários (ou, ao menos, realistas/pessimistas) para a pandemia do Covid-19, como fica a sociedade? Como fica a educação?
Há apontamentos de que fiquemos, pelo menos, mais dois anos, alternando entre isolamentos em diferentes níveis… certamente, em um pensamento minimamente responsável, aglomerações em ônibus, metrôs e salas de aula não fazem parte de nenhum cenário possível de valorização da vida. Uma possível vacina, em tempo recorde, virá em 2022 e será direcionada aos grupos de risco ou de movimentação urbana essenciais, como profissionais da saúde, idosos, entregadores, etc.
Até que a indústria se rearranje na direção de produzir o que, efetivamente, é viável à manutenção da vida (da natureza como um todo, dada a impossibilidade de fragmentar o conceito de continuidade da vida), resta tentar adaptar-nos com os artefatos/mecanismos que temos a disposição, até que possamos caminhar para formas de superação.
Uma observação necessária é que, diante das chances de revolução nas mais diversas áreas da vida social, corremos o risco de ficarmos reféns das imensas desigualdades advindas da estratificação social, fantasiada de meritocracia.
Não há dúvidas de que o ensino presencial, o contato humano, a afetividade em um sentido amplo, são elementos que compõe as experiências vividas no processo de ensino-aprendizagem. Mas na impossibilidade deste, como proceder?
Diante do fato de que muitas instituições de ensino públicas estão suspendendo suas atividades – o que parece mais justo e viável nas condições materiais que se apresentam hoje –, o que virá depois?
Às escolas, faculdades e universidades que insistem em manter suas atividades via ensino remoto (um eufemismo para um pretenso EAD), ficam as indagações:
TODAS as casas d@s alun@s possuem banda larga (temos que pensar nos que vivem na área rural e povos indígenas que, porventura, não têm esta opção pelas empresas que oferecem este serviço, uma vez que fornecem para o lucro, não para o acesso de tod@s)?;
As casas dispõe de ambiente adequado (espaço físico, móveis, climatização) para a realização das atividades escolares pel@s discentes?
As estudantes e os estudantes possuem docentes facilitadores, que atenderão um número x de alun@s (chamados de tutores, no EAD)?;
TOD@S discentes têm acesso a notebook (ou outro equipamento que permita a adaptação de teclado) novo e com configuração suficiente para acessar moodle, baixar vídeos, etc?;
TOD@S dispõe de acesso a livros físicos e/ou em PDF, em número e variedade suficiente para dar conta das ementas e também da bibliografia que cada docente está trabalhando?
Há, nas instituições de ensino, laboratórios para gravação de aulas pel@s docentes (para os conteúdos que necessitarem de tal formato)?;
Há momentos de aula virtual, no qual possa haver interação entre docente/discente e as condições materiais necessárias para que este momento se realize?;
Está previsto o aumento na carga horária disponível para cada turma para as docentes e os docentes (uma vez que a atuação a distância exige muito mais tempo de preparação, correção de atividades – mais numerosas, diga-se de passagem – dentre outras ações de acompanhamento e verificação da aprendizagem)?
No caso das atividades práticas, laboratoriais, dentre outras relacionadas, como estas serão realizadas? Há previsão para que isso ocorra de maneira relevante?
Entendendo a necessidade de uma “adaptação” minimamente viável (sem fetichizarmos a tecnologia digital, mas sabendo que ela é fundamental neste momento), temos que cobrar do poder público que as condições materiais institucionais e domésticas sejam proporcionadas. Ensino público de qualidade, gratuito e para todas e todos são preceitos fundamentais.
Não há recursos? Com certeza, há!!! A assertiva se justifica pelo fato de que vivemos a maior desigualdade social em países que se auto intitulam (são classificados) como democracias. Estamos neste país, Brasil.
Ficam algumas reflexões. As ementas terão que mudar, a carga horária discente/docente, a organização administrativa das instituições de ensino, as relações entre colegas de trabalho, o processo de ensino aprendizagem (em alterações como nunca, antes, vistas), o quê estudar (com luta – mais do que sorte – poderemos pensar em um ensino não utilitarista), para quê estudar, dentre outros rearranjos atrelados a uma alteração social e produtiva de transformação.
Para finalizar, espero que, diante da necessidade de repensar as relações humanas, o sistema social (político e econômico) e a epistemologia sejam repensados. No caso da epistemologia do conhecimento, o modo de desenvolver o conhecimento e de produzir saber de maneira eurocentrada, sejam superados. Para tanto, temos ricos materiais a serem analisados, como os produzidos pelo ecofeminismo, o ecossocialismo, as práticas permaculturais, as epistemologias do sul (Boaventura) e, atrelados aos anteriores, as práticas e conhecimentos/cosmologias/cosmogonias dos povos ameríndios, quilombolas, assentados, dentre outros.
As mais diversas ciências e novas práticas educativas estão, talvez como nunca (em larga escala), expostas e maleáveis para serem repensadas. A escola, como socializadora do saber, deve ser repensada, a fim de que não reproduza as contradições notadas na sociedade, para que não forme sujeitos reprodutores destas desigualdades e para que acumule forças para a superação destas incoerências.
A luta é para que o momento atual não pode ser de exclusão, mas de inclusão e de superação. Dada a sensibilidade do momento, a doutrinação neoliberal não pode continuar dominando/direcionando as instituições de ensino.
Imagem de destaque: Marcelo Camargo / Agência Brasil