Heli Sabino de Oliveira*
A bancada fundamentalista cristã da Câmara Municipal de Belo Horizonte demonstrou, nos últimos dias, sua vitalidade política, impondo ao Prefeito alterações importantes no decreto 16.690, que dispunha sobre a estrutura orgânica da Secretaria Municipal de Educação. Grosso modo, além de suprimir a Gerência das Relações Étnicas Raciais e de Gênero, o decreto 16.717, de 22 de setembro, impede que a Secretaria Municipal de Educação selecione kits de literatura destinados às bibliotecas das escolas que tratam de temáticas que abordam relações de gênero, diversidade sexual e até mesmo de literatura afro-brasileira.
Tal situação suscita algumas indagações: por que a bancada fundamentalista tem se insurgido contra o processo de escolarização? Por que a questão da diversidade sexual e de gênero é vista como uma ameaça? Como os defensores de uma escola pública, democrática, laica, plural e inclusiva podem enfrentar esse ataque ao processo de escolarização?
Cumpre destacar, de saída, que a bancada fundamentalista cristã da cidade de Belo Horizonte integra um movimento mais amplo, conhecido como Movimento Escola Sem Partido (MESP), que fora criado em 2004, pelo procurador de São Paulo, Miguel Nagib. O MESP faz parte da chamada “nova direita”, cujos princípios se assentam no fundamentalismo cristão. Conquanto se apresente como um movimento neutro, sem ideologia que busca apenas uma escolarização que proteja as famílias contra doutrinadores políticos e professores/as inescrupulosos que corrompem a sexualidade e os valores morais dos/as estudantes, o MESP tem, no entanto, outras finalidades: a) cercear, nos espaços escolares, estudos e debates que questionem relações de poder e hierarquias que alicerçam as desigualdades sociais no Brasil; b) negar a alteridade e a diversidade como elemento que compõe a humanidade.
Para que se compreendam as formas pelas quais operam o MESP, é necessário que compreendamos os princípios que orientam o fundamentalismo. De acordo com Ivo Pedro Oro, na obra “O outro é o demônio”, o fundamentalismo é constituído por quatro elementos, distintos e complementares. O primeiro diz respeito às formas pelas quais os fundamentalistas lidam com seus textos sagrados. Para eles, tais textos são fixos, estáveis e imutáveis, sendo que suas interpretações não podem se alterar no tempo e no espaço. Abstraídos de seus contextos de produção, esses textos, ao invés de serem pensados como obras abertas e vulneráveis da criação simbólica, são vistos como tendo um campo de significação fechado e transcendental, perdendo, assim, tanto o seu caráter histórico (variável, móvel) quanto seu caráter social (construído). O segundo elemento diz respeito às crenças de que o Outro é uma ameaça à estabilidade do mundo social. Com seu jeito de pensar, de ser e de agir, o Outro representa uma ameaça permanente, um “inimigo” que, com sua alteridade, pode corromper a “moral e os bons costumes” das novas gerações. Com efeito, o fundamentalista precisa satanizar o diferente, demonstrando seu potencial ameaçador às famílias que compõem sua comunidade de fé. O terceiro elemento que constitui o fundamentalismo diz respeito às questões objetivas que geram insegurança, perda da confiança nas instituições democráticas em decorrência da expansão do desemprego e da violência. Assim, o medo , o ódio e a indiferença pelo Outro são ingredientes que alimentam o fundamentalismo. O quarto elemento que caracteriza o fundamentalismo diz respeito às ações cruzadistas, promovidas por seus integrantes. Trata-se de um movimento que buscam não apenas denunciar o caráter ameaçador do Outro, mas principalmente silenciá-lo, contê-lo por meio de atos arbitrários e intolerantes.
Nesse sentido, o MESP pode ser compreendido como um movimento cruzadista, cuja intenção principal é controlar currículos e práticas pedagógicas que supostamente ameaçam seus valores, princípios e crenças, tidos como a quinta essência produzida pela humanidade. Trata-se, assim, de uma cruzada em “favor da família patriarcal, heterossexual e cristã”. Nesse contexto, porque promove diariamente o encontro com a alteridade, a escola é vista como um espaço ameaçador, que precisa ser contido, controlado por forças externas, ligadas aos grupos conservadores. Ali, o contato com o diferente (com aqueles que possuem conceitos, visão de mundo e escala de valores, distintos dos que são ensinados pelos conservadores) é algo visível e concreto.
Na escola, aprende-se, sem que o professor e a professora tenham que ensinar, que os arranjos familiares são múltiplos; que a diversidade sexual é um fato que não se pode contestar; que existem múltiplas expressões religiosas. No entanto, o que mais perturbam os fundamentalistas são as perspectivas educacionais que se baseiam em princípios em que o diferente não pode ser visto como uma ameaça e nem como inferior; que devemos reconhecer que as concepções de vida que nos movem, com vigor, são formados na luta contra outros ideais, que são tão sagrados para os outros quanto os nossos são para nós; que o mundo social é uma construção, levado a cabo historicamente por seres humanos. O estranhamento e a desnaturalização do mundo social é algo insuportável para qualquer fundamentalista. Isso explica, em parte, o ódio que nutre por pensadores que, como Paulo Freire, celebra que a leitura de mundo precede a leitura da escrita.
Ao alterar o decreto 16.690, impedindo que a Secretaria Municipal de Educação selecione kits de literatura destinados às bibliotecas das escolas que tratam de temáticas que abordam relações de gênero, diversidade sexual e até mesmo de literatura afro-brasileira, o Prefeito da cidade de Belo Horizonte reconhece a força do MESP. Tal atitude exige, daqueles que defendem uma escola democrática, uma ampla mobilização, denunciando não somente o caráter autoritário da medida, mas principalmente seu impacto na construção de uma educação republicana, laica e inclusiva.
* Heli Sabino de Oliveira é professor Adjunto da Faculdade de Educação de Minas Gerais.
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