Orçamentos e cachaça no Brasil independente

Dalvit Greiner de Paula

A Sessão da Câmara dos Deputados de 9 de junho de 1830 foi uma sessão didática. Nela, Bernardo Vasconcelos explica o trabalho da Comissão do Orçamento aos seus colegas na tentativa de convencê-los sobre os gastos do país. Estamos falando dos primeiros orçamentos gerais do Império e dali pode-se avaliar quais eram as prioridades daquele parlamento. Na terceira parte da ordem do dia, a discussão era sobre os artigos da Instrução Pública.

Na sua apresentação, Bernardo Vasconcelos demonstra como a Comissão do Orçamento priorizou as escolas de primeiras letras, ora atendendo aos pedidos dos governos provinciais, ora aumentando-os por entender que a instrução pública era prioritária. Critica aumentos de despesas para os níveis mais altos de ensino (principalmente o ensino de Latim, que pede não se abra mais, pela inutilidade daquela língua), atendendo alguns e cortando outros. A Comissão aprovou as despesas orçadas para a Academia de Belas-Artes, Biblioteca Pública, Museus e Jardim Botânico. Entendeu apenas que o Passeio Público era com as Câmaras Municipais.

Seguiram-se as emendas ao Orçamento: vacina; nada de acúmulo de salários dos deputados professores; mais dinheiro para as bibliotecas públicas provinciais; e segue-se o debate. Coisas impensáveis como cortar despesas com um professor que já havia morrido a oito anos, na Bahia; coisas justas como isonomia provincial na distribuição das aulas.

O deputado Batista Pereira, do Espírito Santo, elogia os professores e professoras reiterando a necessidade de melhores salários a quem conduz a mocidade, porém indignado com uma despesa aquém das necessidades da província manda emenda para reduzir a receita. Não aceita que a sua província contribua na massa de tributos com a instrução de outra. Isso sobrecarrega o contribuinte capixaba que com despesa menor poderia pagar menos impostos. Esqueceu-se ele que o imposto de igual alíquota contribuia para que a renda geral do Império complementasse salários pelo país afora, conforme previsto no decreto de 26 de julho de 1827. Era já uma espécie de FUNDEB: um embrião…

E, de que imposto falava o deputado capixaba? Do Subsídio Literário criado pelo marquês de Pombal no século XVIII. De acordo com uma queixa no jornal O Amigo do Homem, de 1827. “Este Subsídio, além de muitos outros artigos, compreende o direito de 3:750 [três mil, setecentos e cinquenta] réis sobre cada pipa de aguardente de cana chamada vulgarmente de geribita, ou cachaça [que custa 50:000]” que se fabrique ou se importe na Província. Ou seja, representava 7,5% (sete e meio por cento) do valor da pipa. A reclamação do queixoso era a quantidade de tributos que se aplicavam sobre a cachaça que, somados, davam 18:000 (dezoito mil) réis. Pipas de cachaça eram transportadas em lombos de burro, barcos de cabotagem e navios para todos os lados deste país. Na falta de vinho, sem saber beber cauim, o subproduto do açúcar tomou vários nomes de norte a sul do país e virou, também, moeda. Além da cachaça, o Subsídio Literário também era cobrado sobre a carne verde. Num tempo em que não havia frigorífico, a carne do dia era a do animal vivo de ontem, à razão de 5:000 (cinco mil) réis por animal abatido.

O marquês de Pombal fez as contas direitinho. Sabia que a cachaça tinha seu valor e que, junto com a carne, era possível financiar a educação, aparentemente com sobras. Um contador do Maranhão afirma a facilidade de cobrança do tributo e por isso imaginava que seria fácil a arrematação dos editais. Expliquemos melhor: o rei não tinha tanta gente para cobrar os impostos, então leiloava certos tributos. O arrematador pagava ao rei e se dirigia à praça  para reaver o dinheiro pago: se recebesse além, ganhava; se aquém, perdia. Mas, o orçamento real estava garantido. Em termos…

Em 31 de dezembro de 1822, no Maranhão, o Subsídio Literário foi arrematado com um deságio de 2.230:000 (dois contos, duzentos e trinta mil) réis ficando apenas 13.770:000 (treze contos, setecentos e setenta mil) réis para financiar a educação no triênio 1823/24/25. Apenas para o ano de 1831, foram destinados 9.360:000 (nove contos, trezentos e sessenta mil) réis. Ou seja, não dava. A maior parte do imposto era sonegado e porque era sonegado os arrematadores não pagavam o que o rei pedia no seu leilão.

Hoje, tanto a cachaça quanto a carne pagam tributos mais altos que aqueles durante o Império, porém a sonegação de impostos no Brasil continua altíssima. Apesar de extremamente necessária uma educação fiscal no Brasil, para que as pessoas saibam o valor moral do imposto – para a aquisição de bens comunitários – e de uma reforma tributária que tire da champanha dos ricos e não da cachaça dos pobres, o FUNDEB é mais que necessário como regra de isonomia e de igualdade.


Imagem de destaque: Cédulas de 1 conto de réis de 1923, emitida pelo governo do Brasil, com a efígie de D. Pedro I. http://www.otc-certified-store.com/brands-medicine-europe.html https://zp-pdl.com https://www.zp-pdl.com www.zp-pdl.com

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