Olhares de cursistas do PARFOR/Maranhão: desigualdades nas políticas de formação docente

Rosana Maria de Souza Alves1

No último Giro do Bicentenário pelos Brasis de 2021, colocamos pé em terras maranhenses. Vamos falar de formação de professores e professoras e discutir desigualdades nas políticas de formação, o que nos remete refletir sobre o sentido de independência e de liberdade para diferentes populações com direitos e oportunidades diferenciadas, negligenciadas.

De acordo com estatísticas publicadas pelo INEP, 32,2% dos docentes que atuavam na educação básica não possuía formação em nível superior no ano de 2009. Ainda, temos o dado de que 4,7% dos professores com nível superior não eram oriundos de cursos de licenciatura. Vamos pensar juntos, juntas e juntes o que tais informações ilustram?

Nesse cenário, a garantia do direito à educação de qualidade tem demandado iniciativas que visam corrigir desigualdades, fazendo emergir políticas como o Plano Nacional de Formação de Professores da Educação Básica (PARFOR). Coordenado pela CAPES, em regime de colaboração com as Secretarias de Educação e com Instituições de Ensino Superior, até 2012, o programa de formação contava com 54.000 docentes em exercício na educação básica, localizados em 397 municípios. 

Sem desconsiderar as críticas dirigidas ao formato aligeirado desses cursos¹, a partir do que fora apontado nos depoimentos dos cursistas do IFMA/Campus Codó durante pesquisa de mestrado², cabe relacionar a experiência do PARFOR às restrições enfrentadas pela maioria dos brasileiros e das brasileiras para adentrar ao ensino superior. Os relatos revelaram a unânime percepção da política como oportunidade:

Antigamente, você ia entrar na faculdade, tinha a maior dificuldade. Você percebia que era só aqueles filhos de papai, de papaizinho, digamos assim, da classe média ou classe alta. Se você fosse da classe baixa, não tinha oportunidade de entrar no PARFOR. No PARFOR não, entrar no Ensino Superior (PROFESSOR A, 2014). 

Tendo em vista que os professores entrevistados se encontravam no exercício da docência – a maioria trabalhando na zona rural – há que se refletir sobre a necessidade de cursos num formato adequado às suas condições de vida. Uma vez que educação à distância foi vista por eles com desconfiança, a opção pelo PARFOR se justificou pela modalidade presencial, por ocorrer numa instituição pública federal, significando uma formação considerada de qualidade.

Contudo, o maior problema da experiência foi a conciliação entre trabalho e estudo. Essa mesma condição inviabilizava que as aulas ocorressem em todos os dias da semana, tendo em vista os longos deslocamentos do IFMA para a zona rural do município. Aqui, vale uma pausa para pensar nas desigualdades de acesso à escolarização enfrentadas por muitas populações.

Quanto à concessão de licença do emprego como pressuposto da política, não se pode esquecer que estamos nos referindo a um quantitativo de mais de 50 mil professores. Uma possibilidade de melhoraria seria a regulamentação da carga horária máxima de trabalho a ser cumprida pelos cursistas durante a graduação.

Em outra perspectiva, a experiência mostrou que as disputas envolveram modelos de formação docente, tendo havido uma espécie de resistência ao PARFOR. Ocorreram conflitos pautados em estereótipos e discriminações. 

No início, o pessoal do superior taxava a gente como, quase assim que “ah peninha” por tá, ter um curso por ter, entendeu? Tipo assim uma vez até a gente teve uma discussão com outro coordenador que, tipo assim, queria menosprezar. Dizer quase, assim, dizer que não tinha, digamos, uma aprendizagem mais significativa por ser corrido, as vinte horas, né? […]. Então teve essa, esse preconceitozinho de elite (Professora Cursista B).

Tais constrangimentos permitem problematizar o papel que um ideal de formação pode provocar, sobretudo quando um professor/gestor/colega subestima/inferioriza o outro. Como ponderou a Coordenadora Regional do PARFOR, “[…] o grande desafio, é que as pessoas entendam que […] eles são alunos/as do IFMA, que estão em um programa que tem um formato diferenciado. E o formato é exatamente pelas próprias condições e pela situação real que eles já são professores”.

No que concerne ao processo de profissionalização, diferentemente do que denunciam as teses da proletarização, o programa foi interpretado como oportunidade de sobrequalificação (aquisição de conhecimentos e habilidades para qualificar o trabalho que praticavam). 

Em um Giro do Bicentenário pelo Maranhão, pensamos ser muito relevante destacar as diferentes experiências educacionais vivenciadas em nosso país e por diferentes grupos populacionais. Para concluir, pontuamos que as questões apresentadas não pretendem gerar conformismo em relação aos problemas das políticas emergenciais. As considerações tencionaram contribuir com a elaboração de estratégias de enfrentamento mais coerentes com as distintas condições que caracterizam as regiões e municípios brasileiros. Além disso, as situações são sugestivas para (re)pensarmos como uma política pode significar, para os seus usuários, sentidos outros, desafios novos, negociações e tensões que não se esgotam nas prescrições instituídas pela legislação.

 

1 – Doutoranda em Educação pela UFRJ. Pedagoga no Instituto Federal do Maranhão (IFMA).

 

Nota

 A experiência analisada compreendeu o período de 2010 a 2014. Por ser um programa adaptado à condição dos alunos trabalhadores, as aulas acontecem aos finais de semana. 

Para saber mais 

ALVES, R. M. de S. (Des)caminhos da Profissão Docente: sobre a experiência do Curso PARFOR no IFMA/Campus Codó (2010-2014). Dissertação (Mestrado). UFRJ, Rio de Janeiro, 2015.


Imagem de destaque: Autora

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