O verdadeiro significado de reconhecimento 

Laura Costa Ouverney

Meu nome é Laura Costa Ouverney e nasci em Bangú, um bairro do estado do Rio de Janeiro, em agosto de 2001. Se me perguntarem como poderia me descrever na infância, eu diria que fui uma criança independente. Frequentei o Centro Educacional Primavera desde a Educação Infantil, até o sexto ano do Ensino Fundamental. Foi o colégio no qual passei mais tempo da minha vida. No meu primeiro dia de aula na turminha do maternal, olhei para minha mãe fixamente e disse: “Mamãe, vai embora!” e ainda completei com “Olha, todas as crianças estão sem os pais. Só tem você aqui!”. Claro que minha mãe reagiu com muita surpresa, já que anos antes o meu irmão teve uma reação completamente diferente da minha: nossa mãe teve que ir com ele para a escola todos os dias durante dois meses, para ele se acostumar com os coleguinhas e a professora.

E essa é uma das primeiras coisas que percebi: por ter um irmão mais velho que passou por todas as séries que eu iria passar, as professoras tinham uma certa expectativa sobre mim – é o famoso “Só quem tem irmão sabe como é” – mas ao me conhecer destacavam as nossas diferenças, e a independência era uma delas. As professoras diziam que eu tinha um aprendizado e um raciocínio muito rápidos; então me destacava nas turmas em que estudava. Em todas as disciplinas possuía notas excelentes, era a primeira a finalizar as atividades e tarefas; recebi várias premiações em gincanas de conhecimento internas do colégio, nunca tive a necessidade de estudar antes de realizar avaliações, assistir as aulas já era suficiente. Em contrapartida, eu era uma criança muito tímida e tinha dificuldade de fazer amigos. E também, o destaque que os professores me davam, muitas vezes acabava passando uma imagem de arrogância, e notei muitas crianças se afastando de mim por causa disso, durante muitos anos. Mesmo tendo estudado com praticamente a mesma turma desde o Maternal, eu nunca me senti incluída nela.

Com o passar do tempo, comecei a me isolar da turma, parei de me entusiasmar ao receber elogios das professoras e já não me encantava mais um boletim cheio de notas altas. Porque, pra mim, todo o “reconhecimento” que eu receberia já era sinônimo de rejeição. Só existiam duas pessoas que eu me importava em impressionar para receber os elogios: minha mãe e meu pai. Somente eles conseguiam reconhecer os meus feitos sem me rotular por isso, e para mim isso era incrível.

Em 2012, vivenciei a separação dos meus pais, e, junto com ela, a solidão. Não como a solidão que eu sentia na sala de aula, e sim uma solidão misturada com o sentimento de abandono. A proximidade que eu tinha com o meu pai se tornou distância mais rápido do que eu pude acompanhar. Parecia que ele queria me apagar da sua vida, e isso, obviamente, me afetou muito. Claro que na época eu não tinha entendimento dos motivos, confesso que até hoje tento justificá-los, mas se torna sempre uma frustração.

Desde então, meu pai evita o contato comigo e com o meu irmão. Ele se recusou a pagar pensão e a continuar pagando a mensalidade da nossa escola. Minha mãe, que nunca chegou a terminar o Ensino Fundamental, teve que nos sustentar sozinha por 3 anos no Rio de Janeiro, enquanto o processo corria na Justiça.

Por conta das despesas estarem se tornando muito altas, em 2015, minha mãe decidiu que nos mudaríamos para a cidade de Itapema, no estado de Santa Catarina. Lá moravam minha tia e meus primos há cerca de 10 anos. Minha tia sempre falou muito bem do ensino público e da qualidade de vida de Santa Catarina, e como não víamos outra opção, nós mudamos.

Na época eu estava no sétimo ano e fui estudar no colégio municipal Oswaldo dos Reis. Ainda era muito difícil para eu criar laços de amizade com outras crianças e, de fato, a mudança de um estado para outro certamente dificultaria ainda mais a minha situação, mas, para minha surpresa, todos foram muito receptivos, e pela primeira vez tive um grupinho de amigos. Como eu já esperava, os professores começaram a notar o meu desempenho, e alguns chegaram a comentar que eu era muito avançada para a minha turma. Por conta disso, a coordenação da escola decidiu que, no ano seguinte, ao invés de ir para o oitavo ano, iria diretamente para o nono. Por um lado, era bom ser reconhecida, mas me senti triste em deixar para trás meus primeiros amigos.

Foi no nono ano que descobri a existência do Instituto Federal Catarinense, o IFC. Todos os professores nos incentivaram a entrar nesta instituição, inclusive muitos organizavam suas aulas de forma que atendessem aos requisitos da prova para acesso ao ensino médio. Mesmo assim, uma parte de mim não queria entrar lá. Eu me sentia culpada por não trabalhar e ajudar a minha mãe, e não queria passar mais três anos dessa forma. Então, decidi conversar com ela sobre isso. Finalmente me abri sobre como me sentia em relação ao meu pai, à mudança, às despesas e à escola, e nunca vou me esquecer desse dia. A resposta dela foi o primeiro empurrão que eu tive para começar a entender na prática o que era a desigualdade: “Se eu mudei de um estado para outro e fiz tudo isso que você se preocupa tanto, foi para você estudar. Agora você pode estudar em um colégio Federal e de qualidade. Você não vai perder essa oportunidade”. Isso ecoou na minha mente por muito tempo, e então, em 2016 decidi me inscrever para o curso técnico em Informática integrado.

Mesmo não me identificando muito com a área das tecnologias, durante meus três anos no IFC entendi a relação entre política e educação: o verdadeiro impacto e influência que causam na vida das pessoas desde a infância até a vida adulta. Nos diversos debates que participei nas aulas de história, filosofia e sociologia entendi o que era o preconceito e a desigualdade na sociedade. Em uma turma de 26 alunos homens e 9 alunas mulheres, aprendi na prática o quanto necessito do feminismo e como lutar contra o machismo. Comecei a escrever poesia sobre as minhas angústias e revoltas políticas, e então participei de duas edições do evento IF Cultura como apresentação destaque. Também foi no IFC que, depois de anos de dificuldade, venci a timidez e fiz grandes amigos que seguem comigo até hoje.

Atualmente, trabalho em uma escola da rede privada de Camboriú como gestora de Tecnologia de Informação e professora de Informática. Mesmo com altos e baixos, agradeço ao IFC por ter iniciado minha jornada na educação esplêndida e criticamente. Pretendo me pós-graduar em Educação e seguir na área de gestão escolar, pois assim sinto que terei uma forma de realizar um dos meus sonhos: que todos tenham acesso à educação pública, gratuita e de qualidade, sem ter que decidir entre trabalhar ou estudar. A educação me motiva a acreditar num futuro mais bonito, ela me faz entender o verdadeiro valor nos sacrifícios que minha mãe fez – e ainda faz – por mim e pela minha carreira, e esse é o maior reconhecimento que eu poderia receber na vida.

Sobre a autora
Estudante do curso de Licenciatura em Pedagogia do Instituto Federal Catarinense – campus Camboriú. Uma versão preliminar deste texto foi escrita como atividade avaliativa da disciplina História da Educação, do citado curso, ministrada pela Profa. Dra. Marilândes Mól Ribeiro de Melo. Sobre a nova série de textos de estudantes do Instituto Federal Catarinense, acesse aqui.


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