Um ano após a aprovação do Plano Nacional de Educação, acompanhamos o movimento dos Estados em aprovarem seus planos de educação em âmbito local, visando o cumprimento da lei nacional. No bojo desse movimento, temos acompanhado uma discussão sobre a questão de gênero e sexualidades que vem ganhando um acento expressivo na pauta dos debates.
No último dia 02 de julho, alguns estados, pressionados por grupos religiosos,retiraram todas as referências ao termo “gênero” de seu documento. Tal decisão nos insta a pensar no caráter laico da educação pública, na ingerência direta das instituições religiosas, principalmente de católicos e evangélicos, sobre as políticas educacionais do país, mas, sobretudo, nos modos como reforçamos as diferenças e abrimos espaço para a violência e opressão ao não reconhecer o outro como sujeito de direitos contemplados na lei. Este é o tema central deste texto.
A retirada de termos relacionados a gênero e sexualidade sinaliza para o apagamento ou para a invisibilidade em que tais grupos colocam um conjunto de pessoas que sofrem os mais variados tipos de violência por não se enquadrarem nos padrões de normalidade instituídos socialmente. Os debates em torno da superação das desigualdades sociais sofrem, com isso, um grande retrocesso.
O GT de Gênero, Sexualidade e Educação da Anped publicou no dia 22 de junho de 2015 a Carta Pública“Sobre a importância da abordagem de Gênero e Sexualidades na Educação”. No texto, os próprios pesquisadores do campo sinalizam para a preocupação com o uso do termo “ideologias de gênero”, o qual, além de não apresentarfundamentação em estudos científicos, nega a livre discussão das temáticas de relações de gênero e das sexualidades em instituições e nas políticas educacionais.
A Associação Brasileira de Ciência Política também expressou sua preocupação “com ações que procuram frear e interromper a consolidação de valores básicos da democracia, como o tratamento igual aos indivíduos, independentemente do que os singulariza, e a promoção do respeito à pluralidade e diversidade que caracterizam asociedade contemporânea”. A referida associação chama a atenção, ainda, para dois pontos caros a essa discussão: o primeiro ponto diz respeito ao fato de que a mobilização do termo “ideologia de gênero” e a ação orquestrada por alguns grupos religiosos do Congresso Nacional vai de encontro às diretrizes do Plano Nacional de Educação. Só para lembrar, o PNE traz como uma de suas diretrizes “a superação das desigualdades educacionais, com ênfase na promoção da igualdade racial, regional, de gênero e de orientação sexual”. Enfatiza, ainda, a necessidade de “implementação de políticas de prevenção, motivada por preconceito e discriminação racial, por orientação sexual ou identidade de gênero, criando rede de proteção contra formas associadas de exclusão”. O segundo ponto está na mobilização do termo “ideologia de gênero” que deslegitima estudos que vêm se acumulando há décadas no sentido de contribuir para o aprofundamento da democracia, para a superação da opressão e da violência, em especial, em relação às mulheres e homossexuais.
E parece que este é um ponto que precisamos considerar. Uma coisa é a instituição da chamada “ideologia de gênero”, a qual pode ser entendida como um conjunto de ideias relacionadas a um movimento feminista dos anos de 1960, com forte influência marxista, sobretudo em relação ao binômio opressores e oprimidos, que extrapola a perspectiva de classe e chama a atenção para pensar nas desigualdades pelo viés de gênero, nos discursos e nas práticas machistas que conformam papéis sociais e excluem as mulheres de determinados espaços. Como todo movimento, pode ou não ter a adesão da sociedade e suas propostas absorvidas com maior ou menor ênfase.
Outra coisa, no entanto, é o uso indevido desse termo polêmico para suprimir das políticas educacionais o respeito às diferenças e a superação das desigualdades, dentre elas, as de gênero.
O uso do termo “ideologias de gênero” e toda a polêmica que há em torno do mesmo não seria uma forma de mascarar o que efetivamente está por trás da pressão que alguns religiosos vêm fazendo em relação a essa temática? Não seria uma forma de mascarar o preconceito e afirmar a desigualdadecada vez mais dura sobre aqueles que não se enquadram nos papéis sociais prescritos por esses mesmos grupos?Qual o perigo de considerarmos no processo de escolarização as expressões das sexualidades de forma plural, as múltiplas configurações familiares, as quais efetivamente compõem a sociedade brasileira? A desconstrução de estereótipos é fundamental para o aprofundamento da democracia, para a superação da violência e para a construção de uma sociedade mais justa, em que homens e mulheres se respeitam em suas diferenças e superam desigualdades de gênero que lhes são impostas desde crianças.
A desconsideração a tal pluralidade legitima a violência por negar um lugar a esses sujeitos no conjunto das preocupações educacionais e políticas. Essa negação, por sua vez, os anula como cidadãos de direitos civis. E, em nome de valores morais e religiosos, de disputas políticas, de relações de força instituídas, um duro golpe vai sendo desferido contra o direito humano da existência sem máscara, sem medo, sem opressão.
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