Maria Gabriela Lara
Ambientes de trabalho são frequentemente associados com preocupações de todo tipo: angústias sociais, stress, perda de sono, de apetite… É como se fosse esperado que seu trabalho consumisse boa parte de sua vida; caso contrário, não se trataria de um trabalho, mas de lazer. Essa ideia se estende quando se pensa nas universidades. O que vem à mente de muitas pessoas quando falamos de universidade, são lugares grandiosos, onde todo o saber do mundo é discutido, posto à prova e reformulado, e não há dúvidas que quase todo o conhecimento gerado pela humanidade nos últimos tempos tem se originado nas universidades, em forma de pesquisas e artigos. Mas a que preço tem se conquistado todo esse volume de produção acadêmica?
Essa produção quase nunca acontece de forma espontânea, há uma cobrança sempre presente na vida dos profissionais para que sempre se escreva mais artigos, faça mais pesquisas, envolva-se em mais projetos. O professor Doutor Marcelo Ricardo Pereira, da Faculdade de Educação da UFMG, estuda o adoecimento docente e afirma que os professores entram numa rotina intensa de produção. “O que eu tenho visto hoje, isso pode ser um fator estressor, é o professor tendo que fazer muitas coisas ao mesmo tempo sem necessariamente um foco específico. A especificidade no Brasil a meu ver, quando comparo com profissionais de outros países, é o quanto a gente é tão pouco profundo em tanta coisa.” afirma o pesquisador. Ele ainda destaca como isso é negativo de duas principais formas: primeiramente porque resulta em pesquisadores descontentes com o próprio trabalho e em trabalhos sem a profundidade que poderiam ter; e também é o stress a que são submetidos esses profissionais, que pode ser um catalisador para problemas de saúde física.
Tal condição ainda reflete-se na relação dos professores-pesquisadores com os demais profissionais da instituição. O coordenador do Centro de Extensão (Cenex) da Faculdade de Filosofia e Ciências Humanas (FAFICH) da UFMG, Adirson Teles diz que às vezes exige-se dos técnico-administrativos funções que não são de sua alçada. Um exemplo é quando professores sofrem essa pressão do produtivismo acadêmico e transferem a parcela de suas responsabilidades que consideram “inferiores” para os técnico-administrativos, muitas vezes tratando-os como secretários particulares. O resultado é um mal estar retroalimentado no ambiente de trabalho. A Academia empurra os professores de um lado, que empurram os técnico-administrativos do outro, que acabam por não conseguir cumprir nem as próprias atribuições. Assim, o adoecimento torna-se geral, mesmo que nem todos queixem-se ou percebam tais problemas.
Ainda que as instituições tenham mostrado interesse em incluir a pauta da saúde mental em seus calendários, isso muitas vezes se mostra inefetivo. Em 2016 a Comissão Institucional de Saúde Mental da UFMG publicou um relatório com diretrizes e princípios acerca da saúde mental na comunidade acadêmica – no entanto, esse documento não chegou ao conhecimento de parte da comunidade universitária. Muitos servidores e estudantes não sabem como é a política de saúde mental da instituição em que estão inseridos. Não sabem se existem e como existem os espaços de escuta e acolhimento na universidade, também não sabem se estarão seguros procurando orientação psicológica em seu ambiente de trabalho. O que vai ser feito da sua queixa? Para quem ele deve se dirigir? Isso pode se reverter em algum tipo de retaliação ou punição? Para Adirson, esse é um dos principais motivos para que os servidores não procurem tais espaços. Segundo ele, “o servidor que apresenta qualquer reclamação é rotulado de servidor problema, é lotado num setor e subutilizado seu potencial”. Não há qualquer sensação de segurança no ambiente acadêmico para que os profissionais estejam confortáveis para buscar ajuda.
Outro ponto importante é o reconhecimento do problema. Para o professor Marcelo, os servidores naturalizam as condições estressoras de trabalho a que são submetidos e, por isso, não veem como um potencial problema de saúde. Se não se fala sobre o assunto e não se desmitifica essa imagem do trabalho inerentemente opressor, não há como os profissionais notarem a necessidade de auxílio.
É necessário rever a lógica de trabalho no ambiente acadêmico, ainda pautada num produtivismo exacerbado, numa busca por uma produção científica massiva e quase fordista, temos de trazer essa discussão de fato a público. É preciso criar espaços seguros para que os servidores se façam ouvir e que seus problemas sejam levados em consideração não como reclamações pontuais, mas como parte de um quadro maior, do adoecimento das instituições de ensino. Por fim, precisamos desnaturalizar o stress e o desconforto como condições de trabalho e responsabilizar a Academia pela culpa que lhe cabe. Até que ponto vamos relevar as causas do adoecimento mental de nossos servidores?
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