Luiz Carlos da Paixão
Durante a minha vida estudantil, sempre fui muito perceptivo sobre tudo o que acontecia ao meu redor. Não tinha essa postura para ser um “radar” ou patrulheiro, muito menos para ser como a tal Candinha e dar notícia de tudo. Interessava-me pelas pessoas e suas ideias e manifestações. Gostava de observar a reação de professores, diretores e demais funcionários frente a situações que fugiam ao corriqueiro.
Ainda era tempo de ditadura militar e a coisa caminhava tropegamente. Geisel era o general que entrava e ensaiou mais à frente, uma abertura lenta e gradual. Mas a transição entre Médici (o da garrafa azul, rsrsrsrs) e o “Alemão” se dava ainda com toda a incerteza do tempo que se mantinha nublado, com leve possibilidade de arrefecimento. Os anos de chumbo haviam ficado para trás, mas o forte cheiro da pólvora ainda estava impregnando narinas mais sensíveis e, na escola, mesmo sem entender direito, eu percebia os adultos andando de forma ereta, como em perfeita marcha, olhares de soslaio, ressabiados e atentos, sempre aos cochichos pelos cantos, comentando fatos e episódios nacionais.
Eu era apenas um garoto de 5ª série (nomenclatura da época – hoje 6º ano), que ia ao colégio todas as manhãs para estudar as disciplinas da GRADE curricular (até na escola éramos lembrados de tal período da nossa frágil República). Entre as disciplinas havia a tal de EMC – Educação Moral e Cívica. Meu professor era um cara barbudo que agora, escrevendo este relato, o identifico com a aparência de um outro barbudo que de retirante virou presidente da República do Brasil. Não sabia o porquê da barba – só vim a entender isto muito depois com a descoberta da existência do Che e de Fidel. Vamos combinar: o meu professor era cabra macho – usar uma barba daquelas em pleno regime militar…
Mas retomando as aulas de EMC, lembro-me das lições que subliminarmente meu professor passava. Ele, com cuidado e tato, sempre nos levava a questionamentos maiores que a rasa profundidade do texto. Entre as tantas discussões que ele nos levava a exercer através dos questionamentos que nos apresentava, estava um texto que falava do PINGADO. O texto narrava a história de um jovem rico que ia para a escola acompanhado de um empregado e ao passar perto da padaria ouvia o pedido do empregado que gritava: – Sai um pingado! A sua curiosidade só aumentava, mas ele era impedido pelo empregado, de entrar em ambiente tão aquém de sua condição social. Eis que um dia, depois de tantos passados pela padaria, viu-se sozinho, devido a uma enfermidade do empregado. A notícia de que no dia seguinte teria que ir sozinho à escola, porque, além de tudo, o motorista teria que levar o pai ao aeroporto e a mãe jamais andaria a pé pelas ruas do bairro, o deixou eufórico. Mais do que depressa, o menino ajuntou as moedas que tinha consigo e guardou-as para a aventura do dia seguinte. Entrou na padaria e, ajuntando as moedas sobre o balcão, falou solenemente:
– Quero um P I N G A D O.
O menino esperava um manjar ou uma outra iguaria, talvez algo surreal. Eis que a garçonete com aquele avental sujo lhe entrega um copo de vidro com um líquido de cor marrom claro, era apenas café com leite. A decepção foi gritante e o menino deixou para trás o PINGADO e foi cabisbaixo para a escola.
Texto bobo, não é? Mas meu professor, com toda a didática que possuía, nos levou a pensar no quanto desejamos algo que não conhecemos e podemos nos decepcionar com o que alcançamos. Ele, meu professor, com formação em História, nos dava o recado de tanta gente que desejou a chegada da moralidade e da segurança e pensou que os militares seriam a salvação da pátria. Sem explicitar, mas nos conduzindo, o professor subvertia a aula que deveria ser para nos acomodar e aceitar o momento político. O PINGADO era apenas um texto, uma desculpa para nos levar a caminhos e pensamentos mais críticos, sem ter que ser direto ou mesmo claro no que se propunha a nos conduzir.
Curiosamente, hoje, passados tantos anos da ditadura militar, ouço no ronco das ruas e das redes sociais, pessoas que sonham e desejam a volta dos militares para garantirem o fim da corrupção e a manutenção da moralidade e da segurança. Tais pessoas, penso eu, nunca experimentaram um PINGADO.
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Fui buscar essa historinha, que me lembrava da minha época da escola. Eis que encontro esta análise maravilhosa. Vou compartilhar. Muito obrigada!