O papel da literatura na formação do professor de língua portuguesa

Fernanda de Quadros Carvalho Mendonça

Fui professora universitária do componente Linguagem e Educação e, durante o semestre, tive como premissa mostrar a importância da leitura e da literatura para o desenvolvimento das práticas pedagógicas. Contudo, percebi que a experiência individual de cada aluno dita muito o rumo da sua relação com os textos literários e assim tentei proporcionar a eles experiências literárias diversas em todas as aulas que ministrei, principalmente o contato com a literatura infantil, gênero que fará parte da rotina desses alunos quando formados. Afirmo que essa foi uma decisão acertada na montagem do componente, pois colecionamos memórias que reverberarão por nossa jornada daqui por diante.

Numa dessas aulas, li para eles um livro infantil que se chama “A professora encantadora”, de Márcio Vassallo (2010), com o objetivo de fomentar a reflexão sobre o que é ser professor. No livro infantil lido, a professora Maísa é uma professora que encantava seus alunos dando aula de “esticar suspiros” (p.6). Ela prezava por ensinar a seus alunos “a catar perguntas novas dentro das histórias, dos versos, das cenas, das ideias, das pessoas” (p.9). A Maísa dizia que “pergunta nova é uma que desdobra gente por dentro” (p.9) e ela “gostava de desdobrar gente por dentro” (p.9). A professora também “ensinava a diminuir medos no coração, dividir silêncio na frente de uma beleza e multiplicar poesia no pensamento” (p.11). Não agradava a todos como seu jeito de dar aula: “aula de despreparo” (p.20), mas encantava seus alunos, pois ela explicava a eles “que ninguém pode ter surpresas deliciosas com as coisas mais simples da vida se estiver preparado para elas” (p.20).

Do mesmo modo que Maísa, em relação aos discentes, sinto que é preciso proporcionar um olhar amplo e crítico, impulsioná-los a pensar diferente e atender às necessidades reais de seus alunos. O conteúdo, o conhecimento, não podem ser ofertados dentro de uma caixa fechada hermeticamente, é preciso ir além e é isso que a educação proporciona. Segundo Freire (2003, p.40) “A educação é sempre uma certa teoria do conhecimento posta em prática […]”. É na prática diária que podemos transformar o contexto no qual estamos inseridos, mas praticar algo que as teorias defendem dentro das universidades é um desafio também para o professor-formador, pois a diferença causa estranheza e faz com que se questione a qualidade, já que os alunos estão acostumados a serem avaliados dentro da lógica positivista do ensino.

Todos nós que optamos por um programa de licenciatura defrontamos com questionamentos que vão surgindo: o que é ensinar? O que é ser um educador? Qual o professor que o sistema quer que você seja? Qual professor conseguirei ser? E com tantas dúvidas, é imprescindível a reflexão. Precisamos escolher qual será o nosso posicionamento diante da realidade que enfrentamos e lançar mão de alguns conceitos direcionará o trabalho:  o primeiro deles é Educação. Recorremos a Paulo Freire para a resposta, que, no texto Primeiras Palavras, afirma que a educação pode ser reinventada, adaptada às diferenças dos meios em que se vive: “[…] educação […] é um fator fundamental na reinvenção do mundo” (FREIRE, 2003, p.10). Podemos dizer então que é através dela que reinventamos a realidade encontrada, já que esta é “uma forma de intervenção no mundo” (FREIRE,2006, p.61). Já o filósofo Rubem Alves, no seu livro, “Conversas com quem gosta de ensinar”, nos diz que, ao questionarmos o porquê ser um educador, lindas afirmações surgem: “o conhecimento conduz ao progresso”; “não há coisa mais nobre que educar”; “a educação é a base de uma sociedade democrática”. Mas isso não responde à pergunta: a educação transforma ou reproduz a sociedade? Para ele, essas afirmativas só nos mostram que as práticas cotidianas são realizadas sem questionamentos. Fazemos parte de um sistema e agimos obedecendo às suas regras, estabelecidas de acordo com os interesses econômicos e políticos do Estado. A escola é estruturada atendendo as demandas desse sistema. Precisamos questionar, criar rupturas e não somente reproduzir ações. Só assim poderemos agir na transformação daqueles que ensinamos.

Finalizando: não existe possibilidade de educar, de adquirir conhecimento sem a interação do professor, aluno e o meio. Na jornada de formação devemos questionar as imposições do sistema e buscar soluções reais para os problemas apresentados no ambiente em que estamos inseridos, precisamos nos tornar sujeitos de modificação e, como Maísa, dar “aulas de despreparos”.

 

Para saber mais
ALVES, Rubens. Conversas com quem gosta de ensinar. Cortez Editora.

FREIRE. Pedagogia da Autonomia: saberes necessários à prática educativa. [s.l.]: Sabotagem, 2006.

______. Primeiras Palavras. In: Política e Educação: ensaios. São Paulo: Cortez, 2003.

VASSALO, Márcio. A professora encantadora. Ilustrações Ana Terra. 1 ed. – Belo Horizonte, MG. Abacatte, 2010.


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