O mundo do “todo mundo”
O WhatsApp Messenger alcançou, em fevereiro de 2016, a marca de 1 bilhão de usuários. Mensagens instantâneas ligam (e algumas vezes desligam) pessoas e grupos, estejam eles próximos ou do outro lado do oceano. Esta inegável maravilha tecnológica entrou em nosso cotidiano sem pedir licença, e está mudando nossos padrões de percepção, nosso modo de pensar e de agir, como já profetizava McLuhan na década de 60. Ainda é cedo para fazermos uma análise dos impactos das “mensagens instantâneas” sobre os modos de agir da comunidade escolar, formada por estudantes, pais, professores e funcionários; entretanto, algumas pontas já começaram a aparecer.
Instantaneamente as notícias correm. As boas, do bem-dizer, que promovem e edificam, bem como as nocivas, que criam realidades desprovidas de fundamento ou razão. No grupo de pais podemos, por exemplo, fomentar uma rede de parceiros que viabilizará um rodízio de caronas ou socializarmos livros usados. Da mesma forma a criança, ao tomar a iniciativa de limpar o suco que derramou em sua mesa pode, no grupo de WhatsApp, se transformar na “explorada pelo colégio. Que absurdo!” A professora que segura uma criança da Educação Infantil que corre descontrolada em direção à escada (coisa que qualquer adulto faria) se transforma, instantaneamente, em uma bruxa que será execrada pelo grupo. Basta uma mensagem, fora de contexto, para que as pessoas opinem, se escandalizem, fiquem indignadas e emitam juízos e sentenças. Aliás, é bom indagarmos: o que é um contexto? Qual a dinâmica de uma sala de aula com 25, 30 ou 40 indivíduos que reagem e se engajam de diferentes formas a uma explicação, para citar apenas uma das inúmeras variáveis que incidem sobre a aprendizagem? No grupo de WhatsApp, simplifica-se tudo em um comentário. Primeiro escreve-se, depois, muito depois, quando o estrago já está feito, é que se buscará a pessoa citada para saber o que de fato aconteceu.
O problema não é a formação de grupos, mas a pasta homogênea que esta nova entidade virtual cria. Ali o “um” vira “todo mundo”. Todos falaram, todos reclamaram, todos estão insatisfeitos e, esse “todos” do grupo, sem identidade, toma a forma de enxame, seguindo em direção à instituição escolar, para dizer o que o “todos” pretende.
Há que se ter clareza das competências e funções da Escola e de um respeito em relação à formação e prática docente. Canais de diálogo estabelecidos pela escola com a família do João, da Maria e do Francisco, precisam existir e as especificidades analisadas (o que é bem diferente de um grupo virtual querer regular a escola). Escola não regula médico, advogado ou comerciante. Escola básica desenvolve competências básicas para que o indivíduo participe da sociedade.
Vamos fazer o movimento contrário. Talvez fique mais claro perceber a situação. Imaginemos um grupo de professores de uma determinada série que resolve criar um grupo no WhatsApp para discutir a educação familiar dos seus estudantes; afinal, ela impacta na eficácia da aprendizagem. Esses professores não estão dentro do contexto, não conhecem o interior da casa de ninguém; desconhecem o jeito compreensivo ou ansioso dos pais; e nem sabem de suas dificuldades financeiras, conjugais ou de saúde. Ainda assim, passam a julgá-los, chamando-os de relapsos, protetores, ausentes etc. Guardadas as devidas proporções, é este tipo de intervenção descontextualizada que vem acontecendo.
É oportuno percebermos que os estudantes, os professores, as famílias, as escolas, não são “Todo Mundo”. Há, de tal forma, uma diversidade em cada uma dessas categorias, imbricada na singularidade dos sujeitos que requer de todos nós, antes de sairmos pelos grupos digitando, mais cautela e sensatez.
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