Editorial do Jornal Pensar a Educação em Pauta, Ano 6 – Nº 224/ Sexta-feira, 30 de Novembro de 2018
Ter sido indicado por Olavo de Carvalho, o ideólogo de extrema-direita que é também guru intelectual de Jair Bolsonaro é já indicador suficiente para sabermos que Ricardo Vélez Rodríguez assumirá uma agenda política ultra-conservadora no Ministério da Educação. Suas ideias, que vieram a público desde a confirmação de seu nome, não deixam margem à dúvida: o que temos adiante é uma pauta regressiva no campo da educação.
Até então desconhecido de grande maioria dos envolvidos com a Educação Pública, e agora apresentado pelas mídias, o colombiano naturalizado brasileiro possui graduação, mestrado, doutorado e pós-doutorado em Filosofia, dedicando-se ao estudo do pensamento liberal e político brasileiro. Atuou em universidades na Colômbia e no Brasil, como a Universidade Gama Filho, a Universidade do Estado do Rio de Janeiro e a Universidade Federal de Juiz de Fora, lecionando ou pesquisando sobre temas como filosofia política e ética. Também foi professor colaborador da Escola de Comando e Estado Maior do Exército Brasileiro, da qual é “Professor Emérito”. É autor de inúmeros artigos acadêmicos e livros.
Trata-se de um homem de letras, certamente. De que letras, no entanto?
Ele mesmo nos dá pistas, em seu blog, com o artigo “Um roteiro para o MEC”, propondo acabar com o que considera “doutrinação de índole cientificista e enquistada na ideologia marxista”, de onde, para ele, nasceu a chamada “ideologia de gênero” e o desejo da esquerda de “reescrita da história” para desqualificar valores que ele considera importantes para a sociedade: “os valores tradicionais da nossa sociedade, no que tange à preservação da vida, da família, da religião, da cidadania, em soma, do patriotismo.”
Naquele seu roteiro, então, está indicada a promoção, na escola, dos valores perdidos da família, dos valores religiosos, dos valores patrióticos. Família. Religião. Pátria. A tríade que garantirá a salvação nacional.
Seguem alí outras opiniões publicadas, como a de que o projeto “Escola sem Partido” é, para ele, uma “providência fundamental” em um mundo que “está submetido à tentação totalitária”, e por isso mesmo é preciso garantir o “sagrado poder de a família educar os seus filhos”. Tratar então de questões de gênero e de sexo na escola constitui uma “maluquice”, ou mais, um “crime” contra as famílias.
Quando é o contrário, não se trata de doutrinação, tampouco de ideologia… Ora, esse ‘partido’ a escola pode tomar, sem restrições, sem mordaça. A história da educação nos ajuda a reconhecer e a problematizar a presença de ideias como essas no debate educacional. Nada de novo no horizonte. Uma ‘Tradição Família e Propriedade’ rediviva…
Não é então por acaso que o futuro ministro elogie a política educacional praticada pelos militares e, em sentido contrário, critique aquela que vem sendo construída na Democracia. O confronto entre princípios, conceitos e políticas de educação torna-se evidente, e é mesmo disso que se trata: de procurar impor uma outra agenda para a educação brasileira – uma agenda centrada em costumes morais – para com ela tentar confrontar, inviabilizar ou mesmo destruir a agenda da educação escolar orientada pelo conhecimento produzido pelas ciências, pelas culturas, pelas artes, que acolhe e trata dos diversos desafios da contemporaneidade, que realiza o debate cultural e que, justo por fazer isso, põe em questão e desestabiliza valores moralistas arraigados nas práticas sociais.
Trata-se de um confronto secular que atravessou e continuará atravessando e tensionando as práticas escolares. Não por nada, autores diversos propõem a metáfora da escola, de seus currículos, de suas práticas como “campo de batalhas”, “território em disputa”, e outras. E assim será, talvez de maneira ainda mais intensa, doravante.
O ministro anunciado é um exemplar do que dissemos em outro Editorial, quando discutimos a liberdade de cátedra: expressa bem o “medo do pensamento livre, da liberdade de ousar produzir conhecimentos diversos sobre a presença de homens e mulheres no mundo, criando novas ideias, novos sonhos, novas realidades. Práticas de rebeldia, de ousadia, de transgressão, de invenção de novas maneiras de viver, que fogem à sua compreensão, afastam-se de seu projeto para o mundo e escapam à sua capacidade de controle. Condenados pelo medo, a única saída dos autoritários é a opressão e a mordaça. Só assim conseguem algum tipo de sobrevivência, ainda que na escuridão das cavernas, como há tanto nos escreveu Platão.”
Essas primeiras considerações de algumas de suas ideias e propostas impõe um alerta: conquistas importantes na Educação Pública correm perigo. A começar pela própria ideia de Educação Pública, como temos afirmado, tomada em seu sentido maior de constituir um patrimônio do Estado Brasileiro, que pertence a seu povo. Um patrimônio que não pode, portanto, ser administrado como se fora uma ‘propriedade’ de um governo, ao bel prazer de um grupo social circunstancialmente hegemônico, ou de uma pessoa que tenha a pretensão de impor-se como régua moral para o País, dispondo e organizando a Educação Pública sob suas crenças e seus valores morais. É imenso esse risco.
Dele, outros decorrem: a liberdade de cátedra, as políticas de inclusão e de afirmação de identidades, a autonomia universitária, o sistema Enem-Sisu, as metas do Plano Nacional de Educação, enfim, toda a organização pública da Educação Brasileira, são avanços que poderão ser fragilizados sob sua gestão.
Imagem de destaque: Elza Fiúza/Agência Brasil