Maria G. Lara
Entre os dias 28 de abril e 1º de maio foi realizado no campus Pampulha da UFMG o II Congresso Internacional Paulo Freire: O Legado Global. No segundo dia de atividades, os professores Carlos Calvo Muñoz (Universidad de La Serena, Chile) e Donaldo Macedo (University of Massachussets, EUA) participaram da conferência “O legado da obra de Paulo Freire para a educação global contra-hegemônica”, ao lado de Nita Freire, professora e viúva de Paulo Freire.
O primeiro a falar na “sala de estar” criada para as conferências foi o professor Carlos Muñoz. Durante o exílio no Chile, Paulo Freire foi professor de Carlos na faculdade. Em sua fala, o professor disse que foi Freire quem o ensinou a ensinar sem seguir os grandes nomes, trazendo o conhecimento das ruas, o conhecimento do povo para a sala de aula. Também foi Freire que o ensinou que “ensinar é político, e é básico escutar a palavra do outro”.
Por muitos anos, relatou Muñoz, Paulo Freire foi mais que um professor. Freire era seu mentor, a quem recorria, pessoalmente ou através de suas obras, sempre que precisava de respostas sobre como estava lecionando, como deveria lecionar. Foi então que ele deu conta de que, indo contra o principal ensinamento que Freire lhe havia transmitido, tinha transformado sua pedagogia em algo hegemônico, ao invés de buscar as soluções por si mesmo. Muñoz tomou aí a decisão de afastar-se da obra de Freire, decisão esta que durou vinte anos. Durante essas duas décadas, ele aprofundou-se em pesquisas das mais diversas áreas, mas destacou a Teoria do Caos e a da Manutenção Cognitiva. Em 2000, no entanto, compareceu a um congresso sobre a obra de Freire, e foi onde descobriu que nunca havia deixado de ser freiriano – e que gostava de sê-lo.
Disse que precisamos valorizar o sutil e o efeito borboleta. É preciso, utilizando perguntas inocentes, mas não ingênuas, questionar essas relações. A pergunta inocente, ele disse, é a mais simples: por quê? Por que o outro sente frio? Por que a água molha? Por que deus? É preciso “perguntar com liberdade e formular explicações provisórias”. A pergunta ingênua, por outro lado, é ideológica e hegemônica, na medida em que pressupõe uma resposta única.
Em suas reflexões sobre o que significa o ato de educar, Muñoz diz que “educar ensina simplificando o complexo, não superficializando a complicação. […] É provocar relações no outro e passar do possível ao provável.”
A seguinte a falar naquela manhã foi Nita Freire, falando do Paulo Freire ao lado de quem viveu e da importância de seus ensinamentos. Porém, a professora alertou os presentes que não falaria de sua vida pessoal ao lado de Paulo, como em geral as pessoas costumam pedir, ansiosos para saber como era Paulo Freire em sua intimidade. Ela repetiu uma fala que disse que havia usado em outra ocasião, em que lhe perguntaram sobre o Paulo-cônjuge: “menina, eu vou parar de falar, se não vocês vão ficar com inveja”.
“Contra-hegemonia significa se colocar contra a ordem existente e estabelecida”, como definiu Nita. Como um grande ato contra-hegemônico ela apresentou algo que muitos de nós têm como garantido: a alfabetização. Do ponto de vista do legado de Paulo Freire, negar a alfabetização a alguém é negar um direito ontológico do ser humano. Isso porque a linguagem – primeiro em gestos e grunhidos, então falada e, por fim, escrita – foi desenvolvida pelos seres humanos, no plural. Como qualquer outra expressão cultural, tendo surgido através dos homens em comunidade, torna-se direito natural do indivíduo.
A palavra, ela disse, é uma práxis libertadora.
Assim, como outra forma de alfabetização, Nita lembrou a importância do diálogo de Freiriano contra a hegemonia. Através da pedagogia freiriana se aprende a ler não só textos, mas também seus contextos, a priorizar as perguntas e evitar respostas definitivas sem reflexão.
O último a falar foi Donaldo Macedo. Usando como gancho sua vida pessoal e profissional nos EUA, Donaldo disse que lá não existe o conceito de “hegemonia”. É algo que confunde teóricos, professores universitários – como num caso relatado por Macedo em que um professor de Harvard levantou-se durante uma conferência para perguntar que significava aquela palavra, hegemony. Donaldo referiu-se ao professor como um tipo de analfabeto e disse que é importante lembrar a diferença entre “estupidificação” e “burrice”: o professor de Harvard certamente não era um homem burro, mas provavelmente estúpido.
Retomando o núcleo da fala de Nita, Donaldo disse que a ausência da educação é um “roubo da dignidade”, expressão que ecoou ao longo de sua fala. Ele também falou do tecnicismo da formação docente e das normas que não existem apenas por rigor acadêmico, mas pela manutenção de ideais da classe média e da burguesia.
A pedagogia ensinada em Harvard, para Donaldo, inviabiliza-se pelas desvantagens sociais, não se discute classe nos EUA. Por isso, ele destacou a importância de um elemento que disse não ser levado a sério o bastante na Academia: o amor na pedagogia freiriana. O professor criticou a vulgarização do termo “amor” pelos professores. Se tantos dizem amar seus alunos, ele nos questionou, por que falham com eles? Se você não pode garantir com toda certeza que seu cônjuge te ama, como pode dizer que o que sente pelos seus alunos é amor? É preciso ver o outro, ler o mundo e sua miséria.
Sorrindo, Donaldo disse que não se ensina literatura sem Shakespeare, não se ensina física sem Newton, logo, não se deve ensinar pedagogia sem Freire.
O que resta da conferência é o sentimento de falta muito para se exercer uma pedagogia verdadeira contra-hegemônica, mas há caminhos. Caminhos esses abertos, em grande parte, por Freire e seu amor pela educação. O encerramento da fala de Donaldo Macedo, do qual me aproprio agora, é uma indicação desse caminho.
“Freirianos do mundo, uni-vos!”
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