O governo contra a escola? O caso da E. E. David Campista.

Cleiton Donizete Corrêa Tereza

Você pode nunca ter ouvido falar da centenária Escola Estadual David Campista, de Poços de Caldas, no sul do estado de Minas Gerais, mas provavelmente já viu essa escola. Ela serviu de cenário para o filme Turma da Mônica – Lições, que estreou nos cinemas em dezembro do ano passado. Se já esteve na cidade das águas sulfurosas e fez passeios turísticos, certamente viu a Escola também. Com sua bela faixada branca e rosa e um convidativo jardim, a escola fica próxima à Fonte dos Amores, ao início da trilha para o Cristo e ao trajeto feito pelo bondinho. 

A Escola David Campista, onde leciono para turmas dos ensinos fundamental e médio, completou 100 anos de existência no último dia 22 de março, motivo de alegria para toda a comunidade escolar e para o município. Por essa escola passaram milhares de estudantes, parte deles com destaque em suas áreas de atuação. Pela escola também passaram muitos profissionais que se empenharam cotidianamente para uma educação de qualidade. Enquanto uma escola pública de longa história para os padrões brasileiros, a E. E. David Campista tem oferecido contribuições significativas por meio das pessoas que constroem esse espaço, entendendo-se espaço de maneira lefebvriana, enquanto uma organicidade que contempla e desenvolve experiências, pensamentos, afetos, percepções, contradições, política, ou seja, um espaço que envolve muitas outras dimensões para além do prédio em si, do lugar em si, um espaço vivo. 

Porém, essa escola, tão relevante para o município, e não seria exagero dizer para a região, pois é um estabelecimento que, de diferentes formas, torna-se referência e influencia outros, está sob ameaça. O motivo é a decisão do estado de Minas Gerais que pretende fazer a junção da escola com o Centro Estadual de Formação Continuada Professora Heloísa Lacerda (CESEC), uma instituição voltada para o ensino de jovens adultos com defasagem na idade-série ou para aqueles que haviam interrompido seu percurso escolar. Com o encaminhamento levado adiante pelo governo de Romeu Zema (partido Novo), a escola perderá salas de aula, dividirá o pátio e outras partes de suas instalações. E isso acontece justamente no momento em que está sendo implantado o Novo (e questionável) Ensino Médio, que implica em mais tempo dos estudantes na escola e a necessária ampliação estrutural para que as demandas sejam atendidas. Se por um lado as duas escolas podem ser aglomeradas, por outro, a Superintendência Regional de Ensino, localizada em uma das áreas mais caras da cidade, a alguns quarteirões da escola, aluga um prédio amplo e caro em que funcionava o antigo Hotel Continental. 

Diante dessa situação, a comunidade escolar publicou uma carta aberta, que foi aprovada pelo colegiado, no dia 24 de fevereiro, questionando a junção, a qual o estado denomina coabitação. No dia 3 de março, a Câmara de Vereadores do Município direcionou ao governo do estado uma moção de apelo para que revejam a decisão. Dias depois, a comissão de Educação, Ciência e Tecnologia da Assembleia Legislativa do estado encaminhou à Secretaria de Estado da Educação um requerimento, solicitando a interrupção da ação. Outra manifestação de descontentamento aconteceu no dia das festividades do centenário da escola, que contou com um culto ecumênico, exposições e apresentações de música e dança. Às vésperas, um grupo de professores e estudantes fixou nas paredes da escola a carta aberta da comunidade, além de frases reivindicando valorização da educação e respeito à unidade escolar. Ademais, no dia 25 de março, os estudantes, por intermédio do grêmio estudantil Carolina Maria de Jesus, divulgaram nas redes sociais um posicionamento contra a junção.

Enquanto uma nova licitação, com valores atualizados, não é viabilizada, pois nas primeiras nenhuma empresa interessada pleiteou as obras de adaptação, a comunidade escolar vive dias de angústia e indignação. O mais impressionante nessa contenda é a desconsideração com dois aspectos que fundamentalmente constituem e significam as escolas: suas histórias e seus espaços – de acordo com a perspectiva indicada anteriormente. Os gestores da educação pública, ao invés de medidas que almejam a contenção de recursos com resultados desastrosos para as comunidades escolares, deveriam conhecer melhor, de perto e de dentro, as escolas públicas, com o devido respeito, e suplementá-las satisfatoriamente.

Aqueles que mais precisam de serviços públicos de qualidade, para uma educação democrática, crítica e efetiva, capaz de colaborar com a formação de cidadãos em sua integralidade, como afirma a legislação vigente, não deveriam ser agredidos por medidas autoritárias dos governos. Pelo contrário, deveriam contar com boas escolas, com condições estruturais adequadas e equipes valorizadas, assim, as comunidades escolares teriam o reconhecimento de suas histórias e de seu espaço como essenciais. É preciso que o governo e os dirigentes educacionais façam devidamente suas lições, senão, a reprovação frente à opinião pública será certa e inesquecível.

 

Para saber mais

LEFEBVRE, Henri. A produção do espaço. Espanha: Capitán Swing Libros, 2013.

TEREZA, Cleiton Donizete Corrêa. Conflitos e potencialidades na educação pública: uma reflexão a partir da análise da Escola Estadual Francisco Escobar. Dissertação (Mestrado). Universidade de São Paulo, 2016. 


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