O encontro com a Esfinge: devorada ou vencedora?

Fernanda de Quadros Carvalho Mendonça

Contam que a Esfinge tinha cauda e patas de leão, seios de mulher e asas de águia. Cantava para encantar. Era perigosa e impiedosa. “A mulher-leão alada” (BRANDÃO, 1987, p. 258). E aqueles que a encontravam precisavam decifrar o enigma para passar. Era guardadora da entrada da cidade de Tebas e devorava os viajantes que não resolviam o enigma.

Creonte, o rei de Tebas, ofertou seu trono e a mão de Jocasta para quem conseguisse libertar a cidade do mal que a estava assombrando. Dizem que Édipo salvou Tebas. Ele, um homem de ambiguidades: diz-se de Corinto e se descobre de Tebas; é o estrangeiro que é nativo; se diz decifrador de enigmas, mas não decifra o seu próprio enigma; se apresenta como juiz, mas é um criminoso; é o salvador de Tebas e também a sua maldição. É ilustre, reconhecido por todos; o primeiro dentre os homens, o mais nobre, o homem de poder. Tem honra e riqueza, mas se descobre o mais infeliz, o pecador, o objeto de horror de seus semelhantes, odiado pelos deuses, reduzido à mendicância e ao exílio. Édipo, o homem que se tornou filho, pai e avô de seus filhos.

E nós? No encontro com a Esfinge, na entrada da cidade da vida, somos devorados ou vencidos? Somos nossos salvadores ou a nossa própria ruína?

Todos os dias somos postos diante de enigmas que precisam ser decifrados, para que os objetivos vislumbrados sejam alcançados. Todos os dias o cotidiano bate à nossa porta, vivemos numa viagem desgastante. Todos os dias nada mudamos e corremos. Todos os dias somos cansativos, somos quem somos e sofremos com isso.

No jogo da vida, se não deciframos o enigma, somos devorados pela Esfinge, assim como era com quem precisava entrar em Tebas. Somos devorados pelo tempo, ou pela escassez dele, que, na maioria das vezes, é impressionantemente vencedor.

Vivemos numa correria, é fato. O sistema nos cobra e nos lembra que precisamos ser tudo e um pouco mais. Mulher, mãe de dois, professora, estudante, esposa, responsável pela casa, irmã, filha e madrinha! É muito? Sempre me questiono… Com isso, carrego um peso, trazendo também comigo a profundidade no viver. Arrisco-me a falar que tenho “ombros que suportam o mundo”, assim como dizia o poeta, Carlos Drummond de Andrade (2012, p.38): […] Pouco importa venha a velhice, que é a velhice? /Teus ombros suportam o mundo/ e ele não pesa mais que a mão de uma criança”.  Pensando sobre esses versos, ressignifico a minha posição no mundo e diante do que vivo e sinto porque sei que “a vida prossegue” e que aqueles que não se libertaram ainda precisam assim fazer com urgência, pois não adianta querer morrer, “não adianta morrer”, “a vida é uma ordem”, “a vida apenas, sem mistificação” (ANDRADE, 2012, p.38).

Portanto, reluto cotidianamente, sendo ora devorada, ora vencedora. E nesse mundo em que não há respostas certas a serem dadas, questiono a nossa loucura pós-moderna, as guerras, a velocidade estonteante das coisas e respiro na esperança de um tempo calmo e ameno.

Para saber mais
ANDRADE, C. D. de. Os ombros que suportam o mundo. In: Sentimento do mundo. São Paulo: Editora Companhia das Letras, 2012, p.38.

BRANDÃO, J. de S. Mitologia grega vol. III. 1 ed. Petrópolis- RJ: Editora Vozes, 1987.

SÓFOCLES. Édipo Rei. 427 a.C. 1 ed. Domínio público. Acesse aqui.


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