‘O “Duelo da Fronteira” em Guajará-Mirim: práticas culturais, memórias regionais e sua dimensão educativa

Maria Enísia Soares de Souza¹

Ginga no compasso eternizado na batida desse tambor/Teu encanto, teu bailado tem a cor do amor

Rainha do Folclore/ Do folclore popular

Os versos citados remetem às toadas dos Bois Bumbás Flor do Campo e Malhadinho, principais personagens do “Duelo da Fronteira”, uma festa folclórica da cidade de Guajará-Mirim, estado de Rondônia. Observam-se nos desfiles o colorido dos carros alegóricos, a harmonia nos ritmos dos enredos, no esforço de apresentar as heranças culturais indígenas e caboclas, as danças nas coreografias dos bailarinos, na tentativa de se contarem as culturas, as memórias e as histórias rondonienses.

A cidade chama a atenção dos sujeitos para a realização do evento popular Duelo na Fronteira. Primeiramente pela questão da localização geográfica; trata-se do território brasileiro que está separado pelo rio Mamoré da cidade de Guayaramerín na Bolívia. Há de se destacar também o colorido das estátuas, que lembram os principais personagens da festa, a presença do Bumbódromo e o museu do Duelo, organizados pelos guajará-mirenses mais apaixonados. Pensado como patrimônio imaterial, entendido como a concepção sociocultural da cidade, da população, como jeito de ser e estar na fronteira, de pertencer a uma agremiação e duelar com os dois principais protagonistas da festa, este mosaico artístico tem o sentido de herança e legado histórico com a tinta da cultura do estado de Rondônia.

O “Duelo da Fronteira” representa um elemento de mediação entre as culturas e o cotidiano de Guajará-Mirim; nessa acepção, apresenta um outro ângulo do estado de Rondônia. É importante que a escola também possa dialogar com este patrimônio rondoniense. O festival folclórico apresenta uma natureza de participação e de observação da vida, do sentimento, da necessidade de colorir e revitalizar as cores da valorização do patrimônio e, por conseguinte, da memória da cidade.

A associação do Boi Malhadinho foi criada em agosto de 1986 pelo do Sr. Leonilso Muniz de Souza e sua esposa Sra. Maria Edilza Mendes de Souza, com a finalidade de ajudar crianças e adolescentes, sobretudo aquelas inseridas no mundo das drogas. Inicialmente, o Malhadinho defendia as cores preta e branca, o que justifica o seu nome; hoje, no tom da sua cor predominam o azul e branco. Já a Associação Folclórica do Boi Flor do Campo foi criada em 1998; suas cores são a Vermelha e Branca. O nome Flor do Campo veio do Pará, com sua criadora, a professora Georgina Ramos da Costa. 

O desfile com as histórias que cada boi conta, a mistura com os rituais indígenas são os ingredientes presentes neste cardápio cultural, que também anuncia as regionalidades presentes no país. Os povos indígenas do entorno circulam diariamente pela cidade para busca de remédios, de tratamento de saúde, de escolarização. A Fundação Nacional do Índio – FUNAI, e a Casa de Saúde Indígena – CASAI compõem a estrutura do município, juntamente com os outros órgãos federais, tais como a Universidade Federal de Rondônia, a Receita Federal, o Exército Brasileiro, por exemplo. 

Não é difícil entender que o Instituto Federal de Educação, IFRO, inaugurado em 2016, seja parte da cidade, podendo contribuir, desse modo, com estudos que tratem das memórias e histórias rondonienses, levando em conta as culturas regionais e as práticas sociais, os conteúdos da festa, numa dimensão educativa, sobretudo junto à Literatura Brasileira regional, uma vez que a escola é o “lugar de memória”, e as escritas literárias também são as guardiãs da memórias sociais, das representações humanas, com a diversidade de personagens, localização e tempo nas narrativas e poesias.

Se os Bois trazem à tona os aspectos socioculturais, tornando legítima a fala do outro, as memórias regionais, portanto, fortalecem os diálogos com a Educação Profissional. Nesse sentido, é oportuno que se levem as histórias cantadas e contadas na avenida às salas de aula do IFRO, na tentativa de se tornarem vivas as culturas, as linguagens e as cores dessa aquarela rondoniense na Amazônia ocidental. Assim, concluímos o Giro do Bicentenário por Rondônia, na tentativa de publicizar histórias da educação e de práticas culturais pouco evidenciadas nas narrativas oficializadas de um Brasil supostamente único e sem a diversidade, um rompimento e um enfrentamento educacional defendido nesta Coluna.

1 – Doutoranda do Programa Profissional em Educação Escolar – PPGEE da Universidade Federal de Rondônia – UNIR, orientanda do Prof. Dr. Robson Fonseca Simões do Programa Profissional em Educação Escolar – PPGEE da Universidade Federal de Rondônia – UNIR.


Imagem de destaque: cedida pela autora. 

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