Luiz Carlos da Paixão
Algumas coisas reverberam em nossas mentes e nos remetem a outros tempos, dando cor, cheiro e sensações sinestésicas que nos provocam viagens fantásticas pelos labirintos do subconsciente. A sensação de déjà vu é tão presente quanto a realidade.
Lembro-me dos meus primeiros dias no pré-primário de uma escola pública de Belo Horizonte. A enormidade da senhora diretora a quem todos temiam pela braveza e autoridade. A enormidade se dava por considerá-la gigante em relação a mim, ainda pequeno e pueril. Não que ela fosse realmente alguém de estatura acima do normal e muito menos que fosse alta, mas ela era tão “irreal” e inalcançável, que a considerávamos um verdadeiro Golias e nós, pequenos Davis. Já mais velho, percebi que aquela Golias era na realidade um “anão”. Formávamos filas no pátio e ela, do alto de uma sacada ao final da escada, fazia sua preleção sem microfone, mas sendo ouvida até pelo último da fila mais distante. Ali se misturavam alunos do pré-primário, até os “mais velhos” – alunos da 4ª série.
Minha sala era enorme (nas minhas dimensões de criança) – com metragem hoje normal para uma sala de aula de escola pública. Havia um armário com nichos, onde nós colocávamos nossas merendeiras – aquelas de plástico, com encaixe para a garrafinha, que era quase sempre cheia do “saboroso refresco de pacotinho” ou leite com achocolatado, e o nunca ausente pedaço de pão com manteiga – riqueza de uma família pobre.
Logo no início do ano era o frenesi para preparar o material que seria utilizado e também aquilo que a escola pedia – papel higiênico, sabonete, álcool, pasta de dente, folhas de sulfite… O uniforme era impecavelmente confeccionado (bermuda em brim azul marinho e camisa de tergal branco). Havia ainda um avental que nós, os mais jovens, colocávamos por sobre o uniforme. Ah, no avental havia um grande bolso canguru, onde colocávamos a tesoura sem ponta e outros pequenos materiais. A toalhinha que levávamos, ainda a tenho em bom estado, uma das poucas lembranças que ainda se materializam.
Em sala havia a presença de duas professoras e, curiosamente, recordo-me que uma era extremamente afetiva comigo e a outra em nada se manifestava.
Eram os ANOS DE CHUMBO, mas eu não percebia nada, porque era muito inocente para entender tudo o que o nosso país vivia. Só me lembro da obrigação de balançar bandeirinhas do Brasil, quando o então presidente Emílio Garrastazu Médici vinha a BH. Eu sempre ficava pensando no porque de balançar a bandeirinha e fantasiava com o nome Garrastazu que me parecia mais uma garrafa azul. Um dia fui admoestado pela professora, porque fiz essa inocente brincadeira – “nunca mais fale isto, é uma tremenda falta de respeito e ele não vai gostar”. Parei de falar, mas não de pensar.
Para uma escola pública, a minha era muito organizada (talvez na época todas fossem). Lembro-me da cantina. Eu não fazia parte da Caixa Escolar (era preciso se inscrever para poder receber merenda), mas depois, não sei em que momento, fui acolhido pela Caixa. A longa mesa de alvenaria não possuía bancos, era apenas um suporte para os pratos de alumínio (ainda o são nas escolas públicas) e um caneco também de alumínio para os dias de suco ou mingau. Da cantina avistávamos o pátio de entrada e a avenida movimentada e ficávamos olhando o trânsito que corria no seu próprio tempo. No pátio da frente havia o mastro que depois fui entender sua função nas datas pátrias.
Quando havia uma atividade com projetor de slides, assentávamos em uma sala anexa à cantina, talvez por ser o local mais escuro da escola e, aí, minha memória me faz enxergar o chão de um piso que insiste em permanecer cheio de arabescos, misturado ao cheiro de merendas e sons de troca de slides. Eu admirava mais o piso que as cenas que se sucediam no projetor. Esta é a memória mais presente que tenho da escola, porque ali eu “viajava” nas imagens coloridas dos slides e nos sons que saíam de uma pequena caixa de som, mas meus olhos furtavam o piso e me permitiam imaginar novos desenhos e novas formas. Vez ou outra uma excursão ao zoológico ou a um clube. Mas nada se comparava ao mundo mágico da Escola Estadual José Heilbuth Gonçalves, onde a professora de música preparava a bandinha a partir de instrumentos preparados por nós e outros adquiridos com verba de doação, provavelmente de algum político “bem intencionado”. Nossa bandinha fazia sucesso e aprendíamos as notas e acordes de uma forma bem lúdica, com a professora conseguindo silêncio fazendo o “barulhinho” de uma abelha… zummmmmmmm… Aprendíamos o Hino da Escola (que sei até hoje, e tristemente, percebi que os jovens alunos não o conheciam) e éramos felizes como jovens estudantes que eram estimulados por professoras realmente abnegadas.
Era um universo sem limites. As primeiras letras se transformando em palavras, as palavras em frases, as frases em histórias e as histórias em realidade. As notas musicais, o cheiro da merenda, a correria no imenso pátio; enfim, tudo era infinito e fazia parte da minha expectativa frente ao mundo. Ao regressar à escola tempos depois, já adulto (quando percebi que ignoravam a existência de um Hino), profissional e realizado também na educação, pedi para ir à cantina, que logo percebi que havia sofrido alterações. Em meu coração já pulsava a tristeza ao imaginar que o piso havia sido substituído. Para minha alegria, a sala de projeção era agora uma despensa e os arabescos ainda estavam lá (por pouco tempo, porque me adiantaram que haveria nova reforma e troca do piso); ainda assim, o cheiro, as cores, os sons foram reativados em mim e pude me transportar aos idos de 1970, sentindo-me criança e revivendo a alegria de um jovem estudante que ainda não percebia o quanto a educação pode ser nefasta para os que nela não acreditam.
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