Mariane Conceição Gomes da Silva
Caros brasileiros de 2022, um jornal intitulado O Pasquim advertiu-os em 1972: “vocês irão rir quando a urna for aberta”.
Uma das ações dos festejos do Sesquicentenário da Independência do Brasil foi o enterro de uma urna no Museu Nacional, contendo uma análise política e um retrato do Brasil em seus festejos de 150 anos. O acontecimento e essa peculiar forma de comemoração não passou despercebida pela imprensa, como O Pasquim. Marcado pelo humor constante e a utilização de sátiras, releituras de imagens e tirinhas cômicas, O Pasquim, jornal lançado em 1969, tornou-se um dos maiores porta-vozes da sociedade brasileira no regime ditatorial, subvertendo a então formalidade do jornalismo carioca e instituindo posicionamentos de enfrentamento às ordens vigentes. O jornal levava às bancas centenas de brasileiros e foi capaz de ultrapassar em vendas revistas como a Veja e Manchete. Um ano após seu lançamento, em 1970, o Pasquim passa a sofrer mais duramente as repressões da Ditadura, diversas edições são censuradas previamente e parte do seu corpo editorial é preso.
A referida urna foi criada justamente com a intenção de ser aberta no ano de 2022, por ocasião das comemorações do Bicentenário da Independência. Com relação ao seu conteúdo, o jornal descreve a existência de registros de revoluções brasileiras em diferentes campos: o futebol brasileiro como tricampeão, a construção da transamazônica; a música do Sesquicentenário; a industrialização do Norte e do Nordeste do país e, por fim, entrevistas com grandes nomes brasileiros da ciência e arte e de representantes como Luiz Gonzaga, Chacrinha e Emerson Fittipaldi. E ainda, de acordo com este jornal, exemplares do chamado Plano Nacional de Desenvolvimento, elaborado pelo então Ministro do Planejamento João Velloso (1969-1979) com o intuito de evidenciar projetos do Governo brasileiro para o futuro. Em uma clara marca do seu humor, O Pasquim denomina a Urna do Sesquicentenário como o Caixão do Século, desenvolve duras críticas à sua criação e se reafirma como cúmplice dos leitores brasileiros. No entanto, segundo a Hemeroteca Digital da Biblioteca Nacional, o jornal possui apenas uma ocorrência à notícia de criação de uma urna comemorativa dos festejos.
Levando em consideração as atuais preparações feitas pelo governo para celebração do festejo do Bicentenário e posterior cerimônia de solenidade da Urna do Sesquicentenário, a iminente abertura faz parte de um cenário de pós-pandemia de COVID 19, com alarmantes índices de mortes no país, inflação, cortes de investimentos públicos em educação, taxas de miséria aumentando. Além disso, o local de enterramento da urna, o Museu Nacional, sofreu com longos anos de descaso do poder público, deterioração do espaço, incêndio e consequente fechamento para reparos, após a perda de grande parte de seu valioso acervo. Que cenário! Portanto, nos cabe ainda indagar quais serão as medidas das diferentes esferas de poder público para promover uma “grandiosa” herança deixada pela sociedade há cinquenta anos.
O ano de 2022 será também marcado pelo processo eleitoral de cargos majoritários, portanto, a considerada herança contida na urna pode ser usada como uma manobra do Governo? Quais fatos foram e serão omitidos neste processo?
Na parte exterior da Urna, existe um tipo de placa descritiva e explica-se que ela “guarda um documento que revela a cultura de uma geração”. E está escrito também, completando a frase, que ela constitui-se “um marco na história de um povo que soube construir o seu próprio futuro”. Sobre isso, qualquer um que deseje, pode se reservar o direito de discordar plenamente.
Placa de bronze onde está depositada a cápsula do tempo
Sobre a autora
Graduanda em Pedagogia na Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ) e integrante do Núcleo de Ensino e Pesquisa em História da Educação (NEPHE/UERJ).
Para saber mais
Acesso fonte 1. Acesse aqui.
Acesso fonte 2. Acesse aqui.
Imagem de destaque: O caixão do século segundo O Pasquim, n185 (16 a 22 de jan.1973, p.28)