O Brasil é mais campesino do que se imagina

Camila Zucon Ramos de Siqueira

O Brasil é campesino, camponês, agrário, agricultor, da roça, enfim, como queiram chamar. Sua cultura campesina se materializa nas festas, nos gostos musicais, nos hábitos alimentares, nas memórias infantis. Essa campesinidade, que une toda América Latina vem sendo bem massacrada há mais de 500 anos, mas resiste e reside nela nossa identidade. Junto com esse traço temos a desigualdade na distribuição da terra. A concentração fundiária brasileira assombra junto com a violência no campo que nos acompanha desde a colonização europeia. Ano que vem o MST completa 40 anos, o maior movimento social de luta pela terra da América Latina, até mesmo do mundo. E um longo processo de educação do Brasil ocorreu por meio desse movimento social que causa tanta variedade de sentimentos na população brasileira, porque entre outras tantas façanhas ousa lutar nos mais diversos contextos políticos.

Uma das coisas que aprendi com o MST foi sempre lembrar as batalhas, as dores e as lutadoras e os lutadores como parte da manutenção da chama da luta. Em 18 de abril de 1996 ocorreu um triste episódio nacional conhecido como Massacre de Eldorado dos Carajás, que motivou a instituição desse dia como marco nacional e mundial da luta camponesa em defesa da Reforma Agrária. Em 2023 celebramos por meio da JURA –  “Jornada Universitária em defesa da Reforma Agrária Popular: em defesa da natureza e de alimentos saudáveis” a contribuição desses sujeitos políticos para a defesa de nossa vida. São 40 de MST, 10 anos de JURAs, 25 anos de PRONERA (Programa Nacional de Educação na Reforma Agrária), e incontáveis lutas. A Reforma Agrária precisa ser retomada como um projeto coletivo, não interessa somente aos que vivem na roça que o campo seja menos desigual, e que seja habitado por quem na terra produz.

O campo é lugar de vida, de escola, de tecnologia, de diversidade agroecológica, social e política. Ao lutar pela terra, o povo campesino organiza escolas e denuncia que esses povos historicamente perdem seus filhos ao mandarem estudar na cidade, e forja métodos educativos próprios e apropriados. A escola do campo, de uma escola pobre para pobres, passa a ser referência pedagógica para o mundo. O campesinato tem educado e tem muito a educar nossa nação no que tange aos direitos sociais.

Já cantou o sem terra Zé Pinto “Arroz deu cacho e o feijão floriô, milho na palha, coração cheio de amor. Povo sem terra faz a guerra por justiça, visto que não preguiça esse povo de pegar: cabo de foice, também cabo de enxada, pra poder fazer o roçado e Brasil se alimentar […]”. Alimentar a nação de direitos, de lutas, de políticas públicas, de alimentos saudáveis, de valores revolucionários.

Por fim, me referindo ao doloroso momento de ataques às escolas, como mãe e professora, me sinto consternada, porém acompanhada dos valores campesinos que não separam escola, trabalho, família e terra. Essa interlocução precisa ser realinhada para que possamos falar em paz, porém com voz, pois paz sem voz, não é paz é medo. Pois se o branco da paz irradia, vitória das mãos calejadas; já nos diz o hino também do poeta Zé Pinto (música Ordem e Progresso).

Vida longa ao MST e à luta camponesa!

Sobre a autora
Camila Zucon Ramos de Siqueira, geógrafa, mestre e doutora em Educação, com ênfase em Educação Popular e Educação do Campo. Mãe de dois. Professora da UEMG Divinópolis. Migrante – Paraná, Sergipe, Minas.


Imagem de destaque: Galeria de Imagens

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