Belo Horizonte, 08 de março de 2019
Amigo Sandro Vinicius Sales dos Santos ,
Saludos!
Vamos retomar a nossa prosa por meio das cartas? Voltar a refletir sobre as coisas da vida, da política, da educação e sobre as bizarrices do mundo? Bora lá, companheiro!
Agora em 2019, fevereiro chegou e com ele, de novo, o início do ano letivo. Apesar do registro do tempo e da marca no calendário, os ares estranhamente remontam aos denominados “anos de chumbo” (1964-1985). Tempos difíceis aqueles… Não menos difíceis, esses. Se lá, naqueles idos, nossa gente vivia sob a égide de um duro regime; nos tempos d’agora, estamos, novamente, nas mãos de generais, tenentes capitães… Se mudaram os protagonistas, os cargos continuam os mesmos. Esses senhores chegaram por via do voto popular, mas, antes de aportarem em Brasília, vivemos um breve ritual de passagem. De modo inacreditável, uma espécie de saudosismo daqueles tempos duros circulou país afora, com reflexo irrefutável nas eleições de 2018. Daí, coisas inacreditáveis começaram a acontecer. Ninguém, em sã consciência, poderia supor que em tão pouco tempo rumaríamos para onde estamos indo. Neste breve espaço de tempo, fatos bizarros e inacreditáveis começaram a eclodir em volta de nós. Inacreditável também foi o golpe parlamentar, midiático e jurídico desferido contra o povo brasileiro e contra Dilma Rousseff – presidenta legitimamente eleita e impedida do exercício de seu mandato.
Fevereiro de 2019 chegou anunciando o reinício das atividades escolares. Meu peito de professor – meio fatigado pelas canseiras da vida – anda arredio… maltratado… maltrapilho… envolto numa espécie de névoa aparentemente secular, mas que, como num pesadelo, está apenas (re)começando, mais de 50 anos depois. Esse peito cansou das ações estapafúrdias de nossos governantes; cansou da subserviência ao capital internacional; da ganância incontrolada dos bens de consumo e das continências desnecessárias dos novos mandatários aos generais norte-americanos. Em poucas palavras, no mínimo, são cenas muito tristes de se presenciar!
Se não totalmente suplantada, a esperança anda ameaçada por homens sombrios. Tempos esquisitos esses que vivemos. Esses homens não escondem o desejo de nos enfiar medidas antipopulares pela garganta e, sem piedade, não se furtam de querer aniquilar os sonhos de continuidade de uma nação que até recentemente estava em pleno desenvolvimento. Querem um povo subserviente e uma gente mal educada – no sentido estrito do termo. Dentre outras figuras excêntricas, elegemos homens sem nenhum escrúpulo para tratar e definir quando e como devemos nos aposentar. Por essas e outras, sentimos o peso de ares pestilentos ao redor de nossas vidas. O futuro é incerto. Acabamos de eleger pessoas esquisitas demais para nos governar. Em poucos dias, esses dirigentes deram mostras do que pretendem realizar com o país. E como destilam besteiras!!! Fico me perguntando: será que o mesmo futuro distópico escancarado na prosa de George Orwell está tomando de assalto o país (ou é o mundo)?
Tornar a nação brasileira a periferia do mundo parece ser o sonho de alguns desses “novos” protagonistas. E não se fazem de rogados ao demonstrarem o desejo de espoliar a população de alguns direitos elementares. Essa turma que chegou, por mais que busque esconder as inúmeras atrocidades, até na maneira de se expressar demonstra descaso com a população. De modo mais evidente, demonstra desprezo com as pessoas mais simples e desprovidas de alguns recursos – dentre eles, o direito à educação pública, laica, séria e de qualidade. E essa gente, por estar supostamente “protegida” – por um judiciário não menos esquisito – anuncia, aos quatro cantos, bizarrices de fazer ensandecer até mesmo os que acreditam em “mitos”.
Um novo ano letivo inicia. O coração bate descompassado… meio sem rumo. Muito descontente com esses tempos – tempos “sem lei”. Ainda assim, esse coração entristecido teima em não perder a esperança.
Ao caminhar rumo à escola – para iniciar as atividades docentes – escuto, no rádio, Mercedes Sosa soltando a voz:
Solo le pido a Dios
Que el dolor no me sea indiferente
Que la resseca muerte no me encuentre
Vacia e sola sin haber hecho lo suficiente
Como se a canção anunciasse, no mesmo compasso do coração, que ainda há muito para ser feito. O mundo parece passar por uma reforma de costumes e de cultura – bastante piorada, registra-se, por sinal. Nesses novos tempos, muita gente parece ter embrutecido e empobrecido (pelo menos, politicamente). As reformas apresentadas pelos novos representantes deformam e destroçam os direitos trabalhistas. Há pessoas de todos os perfis defendendo a perda de direitos. Contudo, a voz da cantora, no rádio, busca dar sustentação a quem, desolado, como eu, segue para cumprir seu ofício decente/docente. A letra da música é forte. Tem história de resistência nas linhas e fora delas. Como se dissesse: é possível sair dessa enrascada, meu irmão! Tempos bem mais piorados foram superados.
O ano letivo iniciou. Na escola, a diretora dá boas vindas, com largo sorriso. Fala das mudanças ocorridas na estrutura física do prédio, de parcerias do ano anterior, agradece às contribuições. Lembra também de celulares e coisas afins durante as aulas. Depois, sem nenhum comentário, contestação ou reflexão por parte dos presentes (professoras e professores), oferece um lanche de boas vindas!
Ninguém falou sobre os rumos que o país está tomando. Ninguém falou das crises anunciadas para a educação, saúde, previdência e segurança pública, nem dos crimes cometidos em nome dos recém-empossados nas diferentes casas republicanas, nem das prisões injustas e arbitrárias cometidas em nome da anticorrupção. Não se falou dos parlamentares que se julgam donos de tudo e de todos, nem de Marielle Franco, a vereadora carioca, brutalmente assassinada. Agora, é escola sem partido? Disso, também ninguém falou.
Sobre as mortes – as centenas de pessoas assassinadas pela lama da Vale, em Brumadinho – nenhuma palavra. Ninguém citou o tal Queirós, blindado pelos homens esquisitos que assaltaram o poder. Tampouco, nada se disse sobre o laranjal plantado pelo atual governo nos idos da campanha majoritária de 2018. Ninguém falou nada em torno da educação emancipatória que sempre sonhamos e que, suponho, seja ainda bandeira de luta. Nem sobre o desejo do novo ministro da educação em substituir o patrono da educação nacional, Paulo Freire, por Olavo de Carvalho. Isso não mereceu nenhuma reflexão na primeira reunião pedagógica da escola. Ninguém falou sobre isso, nem sobre aquilo. Nada se disse; nem uma palavrinha. Nada! Nem sobre a imitação caricata do “justiceiro da lei e da moral – encastelado no governo”, ninguém falou nada. Havia um lanche aguardando na cantina da escola e, como acabamos de eleger um “mito”, foi desnecessário falar qualquer coisa. Aliás, ninguém falou sobre o “mito” – essa figura inominável!
Há tempos, tanta apatia, falta de opinião e de reação têm me afetado. Exatamente nós, professores, que trabalhamos com a palavra, não a trazemos como ferramenta das lutas diárias e necessárias. Se nada é dito, cabe nos perguntar: para onde vamos? O que será de nós? Haverá esperança?
Como educadores e arautos da esperança, não podemos deixar de fazer tais indagações a nós mesmos. E essas questões devem ser difundidas, debatidas, refletidas e, quiçá, multiplicadas, para, assim, fortalecermos nossas frentes de atuação e nossas bandeiras de luta. Então, como num sonho possível, poderemos ir para o front de batalha, enfrentarmos e confrontarmos os facínoras, os Frotas e os furtos ininterruptos de nossa nação.
Por fim, nesses tempos plenos de esquisitices, nada mais pertinente que terminar a missiva com um fragmento do poema de Eduardo Alves da Costa dirigido a Maiakósvski:
Nos dias que correm
a ninguém é dado
repousar a cabeça
alheia ao terror.
Os humildes baixam a cerviz;
e nós, que não temos pacto algum
com os senhores do mundo,
por temor nos calamos.
Ninguém solta a mão de ninguém!
¡Fuerte abrazo, mi hermano amado!
Imagem de destaque: Geronimo Gonzalez Giqueaux/ Unsplash
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