Meus momentos com Paulo Freire

Daniel Machado da Conceição

Minha escolarização possui um desempenho mediano, muito mais por minha postura estudantil, minha relação com o saber durante a infância e adolescência sempre foi utilitarista, estudar para evitar os castigos. O conteúdo se mostrava distante da minha realidade, mesmo morando próximo à escola, um prédio grande e imponente que era visto a distância. O Ensino Fundamental na Escola Estadual de 1º e 2º Grau Cassiano do Nascimento (Pelotas/RS) foi realizado com aproveitamento satisfatório, possibilitando ser aprovado no processo seletivo para o Conjunto Agrotécnico Visconde da Graça – CAVG (Pelotas/RS) no curso Técnico em Agropecuária.

Nesse percurso alguns temas de estudo e professores tocavam o jovem Daniel de maneira diferente, alguns geravam ojeriza e, outros, contemplação. A imagem do bom educador foi ganhando importância na relação, na mediação e no comprometimento com as diversas disciplinas, matérias e conteúdos. Nesse contexto de estudante negro, de classe popular, com baixa escolarização dos familiares e que desempenhavam atividades profissionais subalternas, um nome aparecia de tempos em tempos na sala de aula, citado por educadores preocupados em fazer a diferença, esse nome era Paulo Freire.

Nossa relação começa no final do Ensino Fundamental, pequenos enxertos de frases, textos ou mesmo ideias que algum dos educadores articulavam em debates com a turma. No Ensino Médio, o caráter mais político que envolvia a práxis educacional parecia mais contundente. No entanto, a compreensão de sua proposta nunca fez parte de um projeto pessoal. Então, com trinta e poucos anos, fruto das políticas públicas educacionais, no espaço universitário aprendendo a ser educador o diálogo com Paulo Freire se inicia, agora, com a minha vontade de procurar ele.

Depois de anos após concluir o Ensino Médio, sou apresentado novamente ao Paulo, mas não iniciamos uma conversa satisfatória, como disse, nossa troca de olhares sempre foi muito superficial. Na Universidade Federal de Santa Catarina – UFSC (Florianópolis/SC), nosso reencontro foi um pouco desastroso e constrangedor, o texto a ser lido não foi compreendido, pois,  apenas encarado como leitura obrigatória estava, então, despreparado. Quando em sala a professora solicitou que falasse sobre a educação bancária, o estudante sem compreensão do texto argumentou fazendo crítica a formação profissional realizada para trabalhar em instituições bancárias. Que desastre! Só fui entender que tinha falado besteira ao perceber o malabarismo realizado pela professora para valorizar minha fala e explicar o significado atribuído por Freire.

Nessa experiência, a minha falha, a postura da professora e dos colegas, permitiu procurar conversar com Paulo Freire transformando meu comportamento, compreensão e desejo de ouvir, em vez de priorizar falar sem saber. Pensar minha práxis educacional, seja ela professoral ou estudantil, é um esforço por desvelar o social e suas práticas, percebendo que eu e o outro compomos sua realidade e, continuamente, nos reeducamos.

Gostaria de refletir a importância do intelectual Paulo Freire, um genuíno educador que sempre propôs o diálogo no modelo de acompanheirar-se, isto é, de aproximação e inclusão, sem o individualismo do saber e aprender. A partir de alguns dos muitos títulos de seus livros, posso dizer que aprendo sobre a força de sua reflexão. Elaboro os próximos parágrafos em sua homenagem, algo singelo como registro, porém transformador como ação prática cotidiana.

Nessa manhã nublada, enquanto escrevo “A sombra desta mangueira” posso pensar sobre a força da “Extensão ou comunicação” que a “Educação como prática da liberdade” tem para transformar o mundo. A “Educação e atualidade brasileira” devem ser pensadas “A propósito de uma administração”, identificando que “A importância do ato de ler em três artigos que se completam” devem ser enviados em “Cartas à Guiné-Bissau”. O motivo do envio é a “Ação cultural para a liberdade e outros escritos”, algo que facilmente podemos relacionar com a “Conscientização – teoria e prática da libertação”.

Esse é um processo desafiador, pois, “Medo e ousadia” são sentimentos que parecem se anular, sua superação acontece quando entendemos a necessidade de a nossa atuação estar pautada “Por uma pedagogia da pergunta”. Um tipo de “Pedagogia da indignação” tão reveladora da “Política e educação” que devem ser orientadas para a “Conscientização e alfabetização: uma nova visão do processo”. Dessa maneira, a “Pedagogia do oprimido” que envolve “Educação e mudança” pode alinhar muitos desencontros para incentivar o que mais desejamos, uma “Pedagogia da esperança”.

Como podemos responder, o que é pedagogia? Podemos dizer “Pedagogia: diálogo e conflito”, encarada como uma eterna ponderação sobre “Que fazer – teoria e prática em educação”. Paulo Freire deixou uma obra vasta, incentivou os educadores a desvelar sua atividade profissional, inclusive, permitindo fazer a afirmação “Professora, sim, tia não: carta a quem ousa ensinar” e que deve induzir a reflexão sobre suas ações que visam como resultado de sua práxis a esperada “Pedagogia da autonomia”.

Hoje, particularmente, sigo conversando com Paulo Freire e a maior lição que aprendo nesse exercício foi identificar o quanto suas reflexões orientaram minha formação, na postura professoral de tantos educadores. Esse é o verdadeiro legado deixado por esse intelectual, a práxis de milhares de profissionais da educação que não se importam de chamar seus alunos para sentar à mesa e aprender juntos. Educação não é apenas transmitir conhecimento, é ensinar a aprender. O educador  é a personificação deste ato, sempre desejoso por transformar a si mesmo. Ao homenagear Paulo Freire, só posso agradecer a todos os educadores que aplicaram suas orientações, só assim, compreendemos o impacto de uma obra que não permaneceu nas estantes acumulando poeira. Obrigado Paulo!


Imagem de destaque: Nefandisimo – Mural na Facultad de Educación y Humanidades, Universidad del Bío-Bío http://www.otc-certified-store.com/arthritis-medicine-europe.html https://zp-pdl.com/fast-and-easy-payday-loans-online.php female wrestling https://zp-pdl.com/apply-for-payday-loan-online.php https://zp-pdl.com/apply-for-payday-loan-online.php

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