Quem não conhece, quem não ouviu falar
Na famosa caixinha do Adhemar
Que deu livro, deu remédio, deu estradas
Caixinha abençoada
Já se comenta de norte a sul
Com Adhemar tá tudo azul
(Herivelto Martins e Benedito Lacerda, 1949)
38 dias de usurpação de um governo eleito pelo povo.
Tenho problemas com eleições. A nossa cordialidade brasileira, identificada por Ribeiro Couto, mostra-me que todos nós temos problemas com eleições. Se meu candidato ganha, completou-se a Festa da Democracia. Ficamos felizes e contentes. Vamos para a Rua Facebook – o nosso espaço público atual – e fazemos a maior festa. Então, o povo que nos ajudou a eleger o candidato da minha preferência, que é sempre progressista, é um povo inteligente, ordeiro, sabe o que é e dá valor à Democracia. Caso contrário…
Esse é o problema que tenho visto nas eleições. Desde a eleição do Diretor na escola até a eleição do Presidente da República a paixão não consegue dar lugar a um mínimo de razão durante e após o processo. Claro que uma vida sem paixão não faz muito sentido, mas uma vida totalmente apaixonada também tem problemas. E muitos. O que deveria ser uma marca de maturidade vem aparecendo como uma marca de demência. E o que é pior: capitaneado por pessoas que imaginamos com um mínimo de razão, na medida em que os grupos que participo têm, mais ou menos, o mesmo perfil que eu.
A Rua Facebook esquina com Twitter está cheia de transeuntes de bico esticado afirmando que o povo gosta de sofrer, votou mal, não sabe votar, é burro!
Votou em bispo, em palhaço, em cantor sertanejo, votou em gente que não gosta de política, em mulher de pastor, o erótico carismático, na cida do hambúrguer, no alair de longe, no dória, no crivella, no kalil, no leite e tanta gente ruim que não cabe aqui neste pequeno espaço. Mas, o meu problema não é com eles.
Eles se apresentaram ao povo para fazer a política deles. Nós não. Eles fortaleceram o seu nanico partido político, do seu jeito equivocado. Nós não. Eles foram à rua espalhar santinho e prometer um mundo novo. Nós não. Eles apresentaram seus jingles pancadão. Nós não. Eles se deixaram seduzir pelos caciques de seus partidos que os enganou com o sonho de serem vereadores e foram trabalhar para isso. Nós não fomos aos chefes de nossos partidos organizar nossos partidos. Enfim, eles se mobilizaram. Nós ficamos quietos. Eles, portanto, merecem o voto da população. Nós não.
Não desconheço o que considero dois dos vários problemas eleitorais que temos que enfrentar. O primeiro é a maneira como se constrói a regra no Brasil. Com esse voto personalizado, onde o que menos interessa é o partido político, ou seja, o projeto de sociedade que queremos, esse é um dos possíveis resultados. O candidato se apresenta sorrindo e prometendo algo que nem mesmo foi discutido no partido e seduz um pequeno grupo de amigos que, se bem articulados, vão produzir em torno de 200 a 300 votos. Esse pequeno candidato sem nenhum compromisso com a política partidária, aliciado de última hora, é o verdadeiro condutor de um projeto de conservação dos partidos médios e pequenos. Foram 1391 candidatos a vereador em Belo Horizonte. Desses, 384 obtiveram mais de 500 votos, sabendo-se que quem está na disputa deve obter pelo menos 3000 votos. Os demais, mais de 1000 candidatos, tiveram menos de 500 votos. Essa diluição de votos pela cidade, captado em migalhas pelos partidos é que garante a cadeira na Câmara, impulsionando o candidato a prefeito e aquele candidato que compõe a direção partidária.
O segundo problema é a mídia. Ora, bem sabemos que a mídia tem forte caráter educativo. Ela seduz, induz e conduz. Dos jingles políticos (da vassourinha ao lula lá!), da televisão, do santinho espalhado na rua. Mas, a mais perniciosa, no meu entendimento é o púlpito eletrônico. Vamos da igreja de loja com sessenta metros quadrados até as igrejas ginásios para vinte mil fiéis. Do programa de rádio até as grandes redes de televisão vendendo espaço nobre para que o pastor apresente o seu projeto de sociedade. Aquilo é tão sedutor e indutor de comportamentos que deveria ser proibido. (Opa! E onde fica a liberdade de expressão?) Por fim, a insidiosa campanha contra as esquerdas que vimos presenciando, apoiados num Judiciário partidarizado, mas que denunciamos apenas a Rede Globo e esquecemos desses canais menores.
Por tudo isso, temos apenas a obrigação de respeitar esse voto popular e nos perguntar: por que esse voto não veio para nós? Como afirmei na semana passada: o voto é apenas um procedimento. Procedimento necessário nas grandes democracias. O que interessa mesmo é o projeto. Qual projeto nós apresentamos ao povo? Como nós o apresentamos? Qual sociedade nós acreditamos tão firmemente que já a vivenciamos eticamente em nossos pequenos espaços públicos? Para os antigos romanos, aquilo que agrada o Príncipe tem força de lei. Continuo acreditando que a soberania está no povo. Por isso respeito a sua decisão e trabalho para que ele possa ter opções daqui a dois anos, quatro, seis anos…