Memórias de uma ex-normalista paraense

Damiana Valente Guimarães Gutierres
Universidade Federal do Pará – UFPA

Introdução
O resgate das memórias de uma pessoa é um processo que requer tempo, disposição do entrevistado e sensibilidade do entrevistador. Para o estudo, foram resgatadas as memórias de uma ex-normalista paraense que abrangeram desde a história da sua família, da sua infância, mocidade, até sua vivência na Escola Normal Paraense. No entanto, para esta apresentação foi necessário fazer um recorte. Assim, o objetivo do presente estudo foi resgatar as memórias de uma ex-normalista paraense em relação a sua educação na Escola Normal no Pará à época do governo de Magalhães Barata, ou seja, na década de 1940, na perspectiva de conhecer a história da educação na Escola Normal no Pará.

A metodologia da pesquisa é com base na história oral, com o uso do recurso da entrevista. A história oral permite o registro de testemunhos e possibilita a interpretação do passado por quem vivenciou determinado período histórico. Consiste na realização de entrevistas gravadas com indivíduos que participaram ou testemunharam acontecimentos do passado ou do presente. A história oral é uma fonte de pesquisa subjetiva aceita atualmente, pois a “própria subjetividade pode se constituir em objeto do pensamento científico” (ALBERTINI, 2010, p. 163). A entrevista realizada com a ex-normalista, foi realizada com perguntas semi-estruturadas, uma vez que as perguntas eram feitas de acordo as informações relatadas na entrevista, resultando em um relato de sua vida e de sua experiência estudantil.

Resultados e discussões
As memórias da senhora A, ex-normalista da Escola Normal no Pará da década de 40, foram sobre o tema das motivações e do ingresso na escola normal. Ela, então, relatou sobre sua infância, a história da sua família, a sua educação ainda no período dos estudos no curso primário, as motivações e o ingresso na escola:

O curso primário eram apenas cinco anos de classe, daí foi que eu externei mesmo querer ser professora, (…) não foi fácil porque precisava professora para poder ensinar, para eu poder fazer o exame de admissão à Escola Normal, (…) mas eu encontrei, realmente uma madrinha de crisma (…) que me pagou, (…) ela também conquistou o curso de professora (…) ela pagou meus estudos pra fazer a admissão e deu tudo certo, porque eu fui fazer o exame de admissão, passei e conclui os cinco anos que era o curso de admissão, era o curso normal, não era pedagógico, se dizia, curso normal, foi em 1945, passou para pedagógico, eu fui da primeira turma de pedagogia da Escola Normal, 1945. (Sra. A, 89 anos, ex-normalista de Belém do Pará).

Fatores sociais, econômicos e familiares influenciam na escolha e no acesso à profissão. No estudo realizado por Anamaria Freitas (1995), observamos as razões que algumas moças tiveram para ingressar na profissão. Muitas delas se deviam “à boa reputação da instituição, tendo em vista seu professores catedráticos, o desejo alimentado na infância de ser professora” (p.32) e as motivações da família visto ser “explícito o papel da família no encaminhamento ao curso normal” (p. 32) e mesmo de pessoas próximas. No caso da nossa entrevistada, a madrinha teve grande influência na sua decisão, tendo inclusive financiado seu exame de admissão.

O exame de admissão foi um dos recursos utilizados pelo governo como uma forma de selecionar os que realmente quisessem seguir a carreira de magistério e de mostrar mais seriedade à população em relação ao processo de admissão, como descrito na mensagem do governo de Enéias Martins, no ano de 1916:

E como o simples atestado de exame de curso primário não satisfizesse as exigências do preparo necessário aos cursos da Escola, foi instituído o exame de admissão, assim como o de madureza, para matrícula no curso especial, com o fim de só permitir a carreira do magistério àqueles que tivessem revelado vocação ao estudo e real aproveitamento do ensino ministrado no curso geral. (p. 74)

Outros temas abordados se referem ao funcionamento da Escola Normal na época, à rotina de estudo, à disciplina adotada, à prática pedagógica e ao público a quem era destinada. Sobre estes assuntos, a senhora A lembrou que no quinto ano havia a parte pedagógica prática, que envolvia alunos de colégios estaduais de grupos escolares e representantes do governo, como relata:

Quando eu estava já no quinto ano, já fazia a parte pedagógica prática (…) Então, a professora principal era Antonieta Serra Freire, era a professora de pedagogia, (…) e então a professora colocava a gente para já ir fazendo as práticas, (…) se tirava na véspera assim, por sorteio a matéria, (…) qual seria o assunto que a gente ia explanar diante, (…) de alunos de colégios estaduais de grupos escolares e às vezes um representante do governo. (Sra. A, 89 anos, ex-normalista de Belém do Pará).

Observa-se que havia o momento prático em que o tema da matéria era sorteado. Corroboramos com a reflexão de Jean-Claude Forquin (1993) sobre a educação, uma vez que a educação ofertada à ex-normalista, visava esta formação direcionada para o conteúdo da educação:

Se toda educação é a educação de alguém por alguém, ela supõem sempre também, necessariamente, a comunicação, a transmissão e a aquisição de alguma coisa: conhecimentos, competências, crenças, hábitos, valores que constituem o que se chama precisamente de ‘conteúdo’ da educação (1993, p.10).

Em relação às disciplinas escolares, a concepção de Antonio Viñao (2006) é que elas podem ser vistas como campos de poder social e acadêmico, trata-se também de ser o elemento chave da profissionalização do docente, o que define o conteúdo e o espaço acadêmico de sua profissionalização, o que mostra que este trabalho é especializado. Quanto às disciplinas da época, a entrevistada relata: “Então tinha Português, Francês, Literatura, História, tinha até Caligrafia, Desenho, mas não eram todas de uma vez, cada ano passava mais de uma, outra.” (Sra. A, 89 anos, ex-normalista de Belém do Pará).

A rotina escolar também foi outro tema abordado. As lembranças da senhora A remeteram às avaliações, às provas, às médias e à prática pedagógica realizada nos grupos escolares. Segundo ela, “Tinha o trabalho todo tempo. Tínhamos provas e essas aulazinhas que nos colocavam para a gente dar aula dentro dos grupos escolares, tinham médias…” (Sra. A, 89 anos, ex-normalista de Belém do Pará).

Considerações Finais
O resgate da memória da ex-normalista possibilitou conhecer sobre a educação na década de 1940, a sua admissão na Escola Normal, suas motivações para ser normalista. Em suas lembranças, a entrevistada resgata a prática pedagógica dos professores, as disciplinas e as rotinas pedagógicas. Vale ressaltar que a professora entrevistada vivenciou um momento de transição no formato do curso, que se constituiu como a primeira turma com a nomenclatura de curso de ‘pedagogia’. O estudo representa um fragmento da História da Educação na Amazônia, uma vez que as memórias da professora resgatadas por meio de entrevista possibilitaram conhecer um pouco da educação ministrada na Escola Normal do Pará.

 

Referências
ALBERTINI, Verena. Fontes Orais Histórias dentro da história. In: PINSKY, Carla Bassanezi. Fontes Históricas. 2ª ed. 2ª reimpressão. – São Paulo: Contexto, 2010.

FORQUIM, Jean-Claude. Escola e Cultura. As bases sociais e epistemológicas do conhecimento escolar. Porto Alegre: Artes Médicas, 1993.

VIÑAO, Antonio. A História das disciplinas escolares. In: Revista Brasileira de História da Educação. v. 8, n. 3 [18] (2008) Setembro/Dezembro

Acessado em 05 de Agosto de 2017 no site: http://www.rbhe.sbhe.org.br/index.php/rbhe/article/view/93 

FREITAS, Anamaria Gonçalves Bueno de. “Vestidas de Azul e Branco”: Um estudo sobre as representações de ex-normalistas acerca da formação profissional e do ingresso no magistério. (1920-1950) Tese de Doutorado. Universidade Estadual de Campinas.1995. Acessado em: 02 de Agosto de 2017 no site: http://repositorio.unicamp.br/handle/REPOSIP/251312

Fontes:

Entrevista da Sra. A, 89 anos, ex-normalista de Belém do Pará, realizada em 30 de Junho de 2017.

Mensagem dirigida em 1 de Agosto de 1916 ao Congresso Legislativo do Estado do Pará, pelo Dr. Enéas Martins, Governador do Estado. Acessado em Junho de 2016 em: http://www-apps.crl.edu/brazil/provincial


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