A suspensão não assustou C. Acrescentou pontos ao status que mantinha.
_ Você não se emenda?
_ Qual é! a mina mereceu. Quem mandô?
_ Você fotografou partes da menina. Gordofobia? Bullying? O que mais?
_ Ah! Pode pará. É gorda, sim. E com aquelas calçolas…quer o quê?
_ Respeito.
_ Cansei. Discurso babaca!
_ Cresce, C!
_ Não sô obrigado, meu! Sai de mim!
Violento e imprevisível, C. fotografara a parte baixa das costas nuas de uma colega. Não satisfeito, publicara a foto nas redes sociais. Com outra suspensão escolar nas mãos, provocou aplausos pelos corredores. Os afoitos, acompanhavam-no. Os temerosos, reprimiam a concordância. Admiravam-no, de um modo ou de outro. C. era “o cara”. O imbatível. Resolvia paradas. Provocava toda a sorte de transgressões. Convidado a se retirar de várias escolas, era íntimo do Conselho Tutelar.
_ Ei, C.! Tira uma, cara!
Uma, duas, várias selfies pipocaram as rederes sociais em comemoração ao “tutano” do menino.
_ C.!? Manda vê!
Mandou. Os dias de suspensão reverteram em “tratos” na imagem e repostagem da foto tirada em sala de aula. Parte das costas da colega ficara exposta por alguns segundos enquanto ela se dobrava para a frente. A escola demorou a mobilizar-se. O suficiente para C. receber outro convite para retirar-se em definitivo. Ou ele, ou a menina. Ele, por má conduta. Ela, por sofrimentos ruidosos.
_ Não compreendo! O que faz um menino tão novo insistir no erro?
A queixa da supervisora emplacava questões antigas. A escola dividiu opiniões:
_ Qualé! Se ela mostrou, a culpa é dela!
_ Deixa de ser idiota! Isso é errado.
_ Quem disse?
Na tentativa de aproveitar o contexto, a escola orientou pequenos seminários de escuta dos estudantes. A popularidade de C. não diminuíra e alguns discípulos insistiam em repetir o mestre. Estava de boca em boca. De self em self.
_ Ô! Nada demais! Mas ele poderia ter usado uns filtro, véi!
_ Sei tudo de filtros.
_ Também. Não posto sem usar mais de um filtro. Me nego a mostrar essa cara.
_ Por isso a gente não encontra você no Insta! É outra, mano!
_ Save!
Gargalhadas têm lâminas: algumas cortam, outras atingem o invisível. Nesses tempos bicudos, os sentimentos escondem-se em porões abafados pela cobrança. Imagem é tudo o que não é. Deixou de ser. Crianças e adolescentes são afetados. Produzir conceitos e levantar juízos de valor caiu em desgraça. Creditar aos padrões sociais medidas de felicidade revela a face obscura do privado na esfera do público. A infelicidade ganha vida própria e maneja bem as armadilhas de fuga. A profundidade das dores não expõe a intensidade da mácula: cala! Gera desdobramentos de toda ordem.
_ Nadavê! Eu não uso filtros. Sou como sou.
_ Tá! Na próxima mostra a sua pele. Você tá ficano sem.
O trampo da aceitação põe ladeiras a baixo. Abismos. Derruba as pinguelas da autoapreciação. O foco cai na imagem que vende a si mesma. Engata atrasos no amadurecimento e constrói faces, personalidades, ambientes, espaços de uma ficção imprópria. E de comum acordo, o mundo caminha cheio de beicinhos, mãos em vê, mãos de mira, mãos em arma, armas nas mãos. Mãos armadas por grotescos padrões de likes. Na confusão, o esvaziamento de sentidos aponta o auge: sofrimentos.
_ Mãe! Eu sou feio!
_ O que é isso, fulano?
_ Sou feio!
_ Você é …é … um quase bebê. De onde tirou essa agora?
_ Eu sei. Sou feio.
_ Você tem quatro anos de idade. O que sabe sobre ser feio ou bonito?
Saber não é impeditivo. Sentir é. Sentir que está dentro ou está fora começa cedo. Pelo menos, nesses tempos de sociedade pós-moderna. O consumo matou a expressão do em si. Desfigurados, usamos máscaras distribuídas por espelhos sem fundo. Procuramos heróis, heroínas em cada página não escrita. E por falar em escrita, por onde anda a literatura?
_ Ó, pró!? Eu li O retrato de Dorian Gray.
_ Muito bom!
_ Tem a ver com isso que você não tá falano?
Algumas pinguelas podem ser construídas com palitos de dentes. Basta colocá-los ao sol do meio-dia.
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