Mãos Dadas: o projeto de municipalização do Ensino Fundamental do governo de Minas Gerais

Estela Costa Tiburcio

Em março de 2021, o Governo do Estado de Minas Gerais, que está sob a gestão de Romeu Zema (Partido Novo), lançou uma proposta de cooperação entre Estado e municípios na gestão do ensino público. O chamado ‘Projeto Mãos Dadas’, embora passe despercebido aos olhares comuns, quando trabalhado com mais proximidade deixa visíveis lacunas em sua composição, e estas, trazem vulnerabilidade aos professores e estudantes, grupo diretamente atingido pelo projeto, além de colocar em conflito a capacidade de oferta dos anos iniciais do ensino fundamental nas cidades mineiras.

Ao contar com a perspectiva de ampliação do ensino público municipal, o projeto se ancora na Constituição Federal e na Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDB), conforme aponta a última resolução apresentada em 13 de julho de 2021 pela Secretaria de Estado de Educação de Minas Gerais (SEE/MG). No documento, é evidenciada a proposta do Estado em transferir aos municípios a gestão operacional, financeira e administrativa dos anos iniciais do ensino fundamental que estão sob cuidado de unidades estaduais de ensino. Dentre as várias diretrizes apontadas, algumas se fazem mais curiosas ao considerar o caráter otimista e simplista que carregam. 

A título de exemplificação, é dito no texto que a escola necessita basicamente assinar um termo de adesão ao programa, submeter as propostas de adequação do espaço físico, enquanto o estado se encarrega de providenciar os repasses financeiros. Todavia, não é apresentado com a nitidez necessária dados sobre a ampliação de docentes nas comunidades escolares que irão aderir ao Mãos Dadas, o que indica sobrecarga aos profissionais já efetivos. Além disso, há notável superficialidade do governo estadual em relação ao planejamento e possíveis implementações, afinal, não enquadra nas prioridades as peças-chave para a execução sadia do projeto, no caso, professores com formação e direitos que se adequam à nova medida.

Na mesma vertente, é passível de análise a forma com que, aparentemente, os 500 milhões de reais de investimento não constam nas diretrizes lançadas pela SEE/MG, apesar de pontuarem os fundos dos quais virá a verba, há apenas a informação de repasses provenientes do “[…] Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica e de Valorização dos Profissionais da Educação – FUNDEB, Quota Estadual do Salário Educação – QESE e do Programa Nacional de Alimentação Escolar – PNAE correspondentes ao número de matrículas do Ensino Fundamental das escolas estaduais assumidas pelo município, conforme tenham sido atribuídas ao Estado no Censo Escolar mais recente.” sem que haja a estipulação de valores exatos.  

Enquanto isso, o site da Assembleia Legislativa de Minas Gerais (ALMG) aponta em matérias publicadas respectivamente nos dias 28 de abril e 05 de maio, informam que “[…] recursos que serão repassados pelo projeto já estão previstos na Lei Orçamentária Anual (LOA) e no Plano Plurianual de Ação Governamental (PPAG). O montante alocado na ação referente ao projeto é de R$592 milhões para o exercício de 2021. A partir disso, tem-se a perspectiva de que o valor anunciado permanece apenas no patamar de marketing feito pelo governo estadual em relação ao projeto.” e “[…] essa ampliação se dará por meio da municipalização de escolas estaduais e da transferência de alunos da rede estadual para a rede municipal. O impacto financeiro para as cidades será amenizado, segundo o governo, pelo repasse de cerca de R$420 milhões.” 

O cruzamento dessas informações dá a entender que há incongruências no valor que de fato será repassado aos municípios que aderirão à iniciativa, pois ao passo que a comunidade escolar e a população em geral têm dificuldades de acesso às informações fornecidas pelo governo, isso se torna sinônimo de montantes calculados meramente como estratégia de marketing a fim de maior aceitação da proposta.

Assim, a situação se torna um ponto de incerteza aos municípios na manutenção do projeto, principalmente no que diz respeito à forma de lidar com a educação em um estado com alta demanda pública escolar e que vê municípios enfrentarem dificuldades de gestão diante de suas particularidades, bem como a falta de profissionais, espaços físicos coerentes para as atividades, além da defasagem de ensino. Com o intuito de analisar a situação de maneira mais concreta, a apresentação de dados vem como alternativa de discorrer sobre a situação de Minas Gerais na educação e explicitar problemas já instalados que, caso não sejam sanados, impedem o funcionamento pleno do Mãos Dadas. 

De acordo com a professora Denise Romano, coordenadora-geral do Sind-UTE/MG, o projeto lançado pelo governo de Minas tem um impacto muito profundo na categoria, pois é complexa essa transferência de responsabilidade do Estado aos municípios na medida em que estes ainda não universalizaram, em sua grande maioria, o atendimento de crianças 0-3 anos e de 4-5 anos. “[…] o Sind-UTE tem trabalhado em todas as regiões do estado com em contato com suas subsedes para convencer e explicar à comunidade, às prefeituras e câmaras municipais que o projeto traz uma indução ao erro”, ela afirma.

Nesse sentido, a coordenadora aponta que “[…] teoricamente o Mãos Dadas traz o melhor dos mundos, mas não traz propostas de cunho pedagógico, além de que estas não estão escritas em lugar algum, principalmente no que diz respeito à vida funcional dos trabalhadores em educação da rede estadual. Sem contar que torce o artigo 10º da LDB quando diz que é prioritária a oferta do ensino fundamental pelos municípios, enquanto as ofertas para o ensino médio ficam por conta da gestão estadual. O termo ‘prioritariamente’ tem sido tratado como ‘exclusivamente’ para tentar justificar a retirada do Estado de seus papéis como se fosse algo impositivo pelas diretrizes”. Por fim, ela completa que estão até o momento obtendo êxito nos impedimentos ao projeto, isso tem sido feito através de projetos de lei que criam critérios para a adoção do Mãos Dadas e delegam à comunidade o poder de escolha.

Diante dos recentes desdobramentos que permeiam a implementação do projeto Mãos Dadas, é interessante reconhecer a necessidade de discussões recorrentes acerca do tema e que enfoquem espaços diferentes de discussão. Por isso, este é o primeiro de uma série de textos que serão capazes de abarcar de modo mais cuidadoso os impactos na educação mineira e seus envolvidos, além de interligar esses fatores aos dados relativos à educação no Estado e que muitas das vezes seguem desatualizados ou de acesso restritos a agentes institucionais. Este primeiro apanhado busca servir como forma de inserção dos leitores na proposta que segue uma implementação tímida, ao passo que apresenta contradições relevantes.

 

1 – Integrante da Equipe do Pensar a Educação, Pensar o Brasil (1822-2022).


Imagem de destaque: Fotos Públicas

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