Machismo, hipocrisia e violência

Editorial da edição 288 do Jornal Pensar a Educação em Pauta

Os episódios e manifestações envolvendo o aborto praticado legalmente em uma criança de 10 anos, estuprada dos 6 aos 10 anos pelo tio, são dos mais reveladores da violência estruturalmente organizada contra as crianças e contra as mulheres. Tais fatos, desde a forma ilegal e eivada de canalhice como se tornaram de conhecimento público, passando pelas manifestações de grupos conservadores, até as despropositadas e criminosas manifestações de líderes religiosos como o presidente da CNBB, escancaram, em tudo, a monstruosa perversidade de uma sociedade moralmente hipócrita e eticamente doente. Sociedade esta que se choca mais com a interrupção da gravidez de uma criança do que pelo fato de que ela viveu quase metade da sua vida sendo violentada sexualmente por um familiar.

As violentas manifestações contrárias à realização do aborto e a criminalização do médico que a praticou, dão claros sinais de que uma pactuação dos grupos conservadores com as mais  hediondas formas de violência, ainda que praticada contra sujeitos quase absolutamente desamparados, e nos alertam, cada vez mais, dos projetos de morte que estes grupos constroem cotidianamente para si e para os outros.

Há que se avançar na descaracterização da vida e da casa como lugares romanticamente seguros para as crianças e para as mulheres. As estatísticas mostram que é no ambiente doméstico que mais as crianças e mulheres estão sujeitas às violências diversas, assim como são seus familiares diretos e vizinhos aqueles quem mais as agridem.  Estabelecer tal verdade no espaço social e nas políticas públicas não é advogar contrário à família, mas a única forma efetiva de combater a pedofilia e o machismo que assolam a sociedade brasileira.

Urge, sustentam todas as vozes, fortalecer a educação sexual em todos os ambientes, e sobretudo na escola!  Esta é uma verdade inconteste e uma das formas estruturalmente mais eficazes de promoção da vida e de cuidado com o corpo e, ao mesmo tempo, combate ao machismo e a todas as formas de violência sexual cometida contra as crianças e as mulheres. No entanto, ainda que de fundamental importância, a educação sexual não basta. É preciso fortalecer as demais políticas públicas de proteção ás crianças. É preciso que, efetivamente, as redes de cuidado a que as crianças têm acesso trabalhem de forma articulada e funcionem como anteparo e antídoto aos descuidos praticados contra a infância, a começar aqueles que envolvem a própria família.

Nas formas como acolhemos as crianças no mundo – as infâncias do mundo – estão sendo jogados o futuro do planeta e de nossas sociedades. O descuido, essa forma básica de violência contra aqueles e aquelas que estão desprotegidos, e as demais formas de violência praticadas contras as crianças já nos mostraram que são péssimas pedagogias.

As manifestações de ódio e violência a que assistimos nos dias atuais não são originárias de outros fantasmagóricos mundos, ainda que seus praticantes insistam em dizer que estão seguindo seu deus e que são inspirados por ele. Todas essas pessoas aprenderam aqui, neste mundo e em nossa sociedade, a cultivar a violência, o ódio, a falta de empatia, o desprezo pela dor do outro e, disso, muitas vezes, retiram prazer e satisfação.

É urgente que as profissionais da educação e da saúde, notadamente aquelas que trabalham com a primeira infância, mas não apenas, sejam formadas e instrumentalizadas para encorajar as crianças a denunciarem situações de abuso, assim como detectar e denunciar as violências por elas vividas. É fundamental que as redes públicas de assistência e cuidados funcionem. É preciso que justiça seja feita. É preciso fazer cessar a cultura e as políticas de violência e de morte. É preciso que a vida seja promovida.


Imagem de destaque: Charlein Gracia / Unsplash

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Machismo, hipocrisia e violência

Os episódios e manifestações envolvendo o aborto praticado legalmente em uma criança de 10 anos, estuprada dos 6 aos 10 anos pelo tio, são dos mais reveladores da violência estruturalmente organizada contra as crianças e contra as mulheres. Tais fatos, desde a forma ilegal e eivada de canalhice como se tornaram de conhecimento público, passando pelas manifestações de grupos conservadores, até as despropositadas e criminosas manifestações de líderes religiosos como o presidente da CNBB, escancaram, em tudo, a monstruosa perversidade de uma sociedade moralmente hipócrita e eticamente doente. Sociedade esta que se choca mais com a interrupção da gravidez de uma criança do que pelo fato de que ela viveu quase metade da sua vida sendo violentada sexualmente por um familiar.

As violentas manifestações contrárias à realização do aborto e a criminalização do médico que a praticou, dão claros sinais de que uma pactuação dos grupos conservadores com as mais  hediondas formas de violência, ainda que praticada contra sujeitos quase absolutamente desamparados, e nos alertam, cada vez mais, dos projetos de morte que estes grupos constroem cotidianamente para si e para os outros.

Há que se avançar na descaracterização da vida e da casa como lugares romanticamente seguros para as crianças e para as mulheres. As estatísticas mostram que é no ambiente doméstico que mais as crianças e mulheres estão sujeitas às violências diversas, assim como são seus familiares diretos e vizinhos aqueles quem mais as agridem.  Estabelecer tal verdade no espaço social e nas políticas públicas não é advogar contrário à família, mas a única forma efetiva de combater a pedofilia e o machismo que assolam a sociedade brasileira.

Urge, sustentam todas as vozes, fortalecer a educação sexual em todos os ambientes, e sobretudo na escola!  Esta é uma verdade inconteste e uma das formas estruturalmente mais eficazes de promoção da vida e de cuidado com o corpo e, ao mesmo tempo, combate ao machismo e a todas as formas de violência sexual cometida contra as crianças e as mulheres. No entanto, ainda que de fundamental importância, a educação sexual não basta. É preciso fortalecer as demais políticas públicas de proteção ás crianças. É preciso que, efetivamente, as redes de cuidado a que as crianças têm acesso trabalhem de forma articulada e funcionem como anteparo e antídoto aos descuidos praticados contra a infância, a começar aqueles que envolvem a própria família.

Nas formas como acolhemos as crianças no mundo – as infâncias do mundo – estão sendo jogados o futuro do planeta e de nossas sociedades. O descuido, essa forma básica de violência contra aqueles e aquelas que estão desprotegidos, e as demais formas de violência praticadas contras as crianças já nos mostraram que são péssimas pedagogias.

As manifestações de ódio e violência a que assistimos nos dias atuais não são originárias de outros fantasmagóricos mundos, ainda que seus praticantes insistam em dizer que estão seguindo seu deus e que são inspirados por ele. Todas essas pessoas aprenderam aqui, neste mundo e em nossa sociedade, a cultivar a violência, o ódio, a falta de empatia, o desprezo pela dor do outro e, disso, muitas vezes, retiram prazer e satisfação.

É urgente que as profissionais da educação e da saúde, notadamente aquelas que trabalham com a primeira infância, mas não apenas, sejam formadas e instrumentalizadas para encorajar as crianças a denunciarem situações de abuso, assim como detectar e denunciar as violências por elas vividas. É fundamental que as redes públicas de assistência e cuidados funcionem. É preciso que justiça seja feita. É preciso fazer cessar a cultura e as políticas de violência e de morte. É preciso que a vida seja promovida.


Imagem de destaque: Charlein Gracia / Unsplash

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