Editorial do jornal Pensar a Educação em Pauta 188
Em tempos de retrocesso é difícil enxergar a ligação entre estes três temas de uma maneira positiva. Nos últimos meses, por exemplo, as denúncias contra casos de abuso no cinema escancararam o fato de que ser mulher torna a construção de uma carreira, e até mesmo de uma área de atuação, muito mais difícil. Diante dos holofotes de Hollywood foi exposta uma situação vivida por mulheres de todas as camadas sociais e segmentos profissionais: abusos dos mais diversos tipos e a disparidade salarial entre homens e mulheres. A propalada igualdade constitucional e jurídica a que nos submetemos não encontra, no entanto, eco no dia a dia da relação entre homens e mulheres.
Ainda que com muitas tensões, violências e lutas, temos visto uma maior ocupação feminina no espaço público que, entre outros motivos, se dá por meio de uma maior atuação no mercado de trabalho, com postos mais ou menos recentes, que são consequência da entrada da mulher no próprio sistema de ensino, sobretudo no último século. Devido às políticas públicas e ao protagonismo feminino, houve uma ampliação do acesso das mulheres à escola, tanto como alunas quanto como professoras. Ao mesmo tempo em que o Estado conquistou o monopólio na formação escolar, contribuiu para o reconhecimento da presença feminina para além da esfera privada. Embora esta seja uma questão central para o final do século XIX e início do século XX, ainda enfrentamos muitas dificuldades, especialmente quando assistimos às tentativas de afirmar a soberania da família no sistema escolar.
No entanto, mesmo que a educação escolar tenha assumido uma dimensão como sistema de formação e constituição de um corpo de especialistas na “arte e no ofício” de educar, muitas vezes a mesma prolongou a “função” da mulher no lar. Reproduzindo nas escolas o cuidado da casa e da prole. Ainda hoje a noção de que a educação é uma extensão do cuidado materno ou um assunto doméstico irrompe na esfera pública. Não é incomum comentários sobre o aspecto maternal de uma professora, sobretudo quando este é considerado ausente. Da mesma forma que é praticamente inimaginável que uma mulher que opte pelo magistério não sonhe com a maternidade. Além disso, ainda que a escola tenha se tornado um espaço majoritariamente feminino, não é de se estranhar que sejam ainda muito comuns práticas que valorizem o masculino. Seja no imaginário de que um professor homem tenha mais competência para manter uma boa disciplina da turma; ou que tenha melhor controle emocional; ou ainda, que terá menos problemas em conciliar o cuidado com os filhos e a vida profissional. Outra tensão é posta na dimensão do privado, com as experiências de home schooling, em que, quase que necessariamente, a mãe é a responsável pela escolarização de sua prole.
Atuar de maneira mais forte no espaço público, ocupar posições, exercer funções, seja nas empresas, nas instituições, nos movimentos sociais e na política institucionalizada, ainda se mostra um desafio para as mulheres. Vemos isso não apenas nos números desiguais de remuneração ou nos impeditivos compartilhados em nossa sociedade de conciliar a maternidade e trabalho, mas também nos processos de socialização que distanciam mulheres de determinadas funções, sobretudo no espaço público. Ainda há muito a ser conquistado, seja no nível coletivo, como nos direitos reprodutivos, seja no nível individual, na fabricação de subjetividades femininas e masculinas que impedem sujeitos e ações, por exemplo. As diferenças do nosso gênero não são destinos em nossas vidas. Mas restam ainda muitas batalhas por um real reconhecimento disto.
Fonte da imagem: Fernando Frazão/Agência Brasil