Leitura como medicamento para a saúde mental

Lílian Ramires Costa

Neste ano em que comemoramos o centenário de morte de Lima Barreto (Afonso Henriques de Lima Barreto – 13.05.1881/01.11.1922), a reflexão sobre a saúde mental assume lugar prioritário. É conhecida a biografia do talentoso autor, e suas dificuldades quanto à manutenção do equilíbrio mental. Internado mais de uma vez, não se afastou da escrita, o que leva ao pensamento de que ela o auxiliava, de alguma forma, a reajustar-se à realidade.

O romance de sua autoria, inacabado, escrito durante o período de internação no Hospital dos Alienados, na cidade do Rio de Janeiro, cerca de três anos antes de sua morte, intitulado Cemitério dos Vivos, relata uma experiência que ele, infelizmente, não foi (e não será) o único a viver. Um excerto da obra é significativo: “…De mim para mim, tenho certeza que não sou louco, mas devido ao álcool, misturado com toda a espécie de apreensões que as dificuldades de minha vida material há 6 anos me assoberbam, de quando em quando dou sinais de loucura: deliro.” – (p. 2).

A leitura do excerto, aliada à rememoração do período pandêmico que evidenciou a cruel situação de inúmeros brasileiros levados à miséria, à vida nas ruas; o número absurdo de mortes decorrentes da COVID-19 (aumentado pela forma inapropriada e inescrupulosa como foi tratada a aquisição/produção das vacinas no país); a inflação que retorna, gradativamente, aos orçamentos familiares; o desemprego; a evasão escolar (multiplicada pelos obstáculos enfrentados pelos alunos no período de ensino remoto, desprovidos do aparato tecnológico mínimo para a aprendizagem) e tantas outras situações que são de conhecimento público, alertam para a linha tênue que separa o estado mental em equilíbrio, do estado perturbado, na saúde mental humana.

Embora necessária a conscientização do atual estágio da vida do país (política, econômica, tributária, ambiental e tantos outros enfoques), e que pode ser alcançada através da leitura de inúmeros trabalhos fidedignos e responsáveis, publicados por órgãos e autores críticos e imparciais, é imprescindível compensar o turbilhão de emoções que decorrem de reflexões dessa natureza, com outros trabalhos importantes e salutares, que podem ser encontrados em diversas obras literárias.

Sim, a literatura tem o poder de restaurar estados de ânimo! Ela tem a capacidade de harmonizar as emoções e, assim, trazer equilíbrio ao estado mental humano.

Da mesma forma que ela permite que o leitor vivencie e aprenda com as experiências vividas pelos personagens; que tome ciência de situações e dificuldades que outros seres enfrentam; que conheça casos reais de sobrevivência, resiliência, resistência, derrotas e vitórias, ela também apresenta um caminho que pode fazer o leitor restaurar suas energias mentais e continuar trilhando sua jornada cotidiana.

Não é o momento de listar obras que possam atingir este objetivo, uma vez que cada leitor tem seu gosto próprio, mas de destacar o misterioso e mágico movimento da leitura literária.

É uma experiência única a escolha de uma obra literária; motivado pelo título ou pela sinopse da obra, o leitor adentra ao mundo do autor e conhece lugares, sentimentos e vivências que lhes são apresentados pelo olhar do outro. Se aberto a um diálogo franco com o autor e a obra, pode conhecer muito de si mesmo, em um processo libertador de emoções. Pode aprender outros caminhos, a ver (tudo e todos) de uma outra forma, a reavaliar condutas e relações. Pode (e deve) sonhar, divagar, vaguear, fantasiar… e essa é a forma através da qual a literatura torna-se medicamento…

Não tira o homem (o leitor) do atribulado mundo em que se encontra, não soluciona seus problemas, não faz milagres, mas renova, restaura e reequilibra sentimentos.

Lima Barreto sabia do poder das palavras escritas (e lidas) para a restauração de sua sanidade; sabia, como todos sabem, que as dificuldades materiais são obstáculos difíceis para a caminhada humana. Infelizmente, o número de bibliotecas públicas diminui no Brasil, dificultando, ainda mais, o acesso da população carente à leitura. Mas que guardemos dele o exemplo da perseverança e juntos, uma linha aqui, outra acolá, uma palavra escrita aqui, outra alinhava a uma ideia acolá, quem sabe abriremos espaço a uma reflexão sobre a necessidade da obra literária na escola, não só para o ensino, não só para o deleite, mas acima de tudo, para a preservação da saúde mental humana.


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