José Bonifácio: mito nacional?

Fátima Aparecida do Nascimento*

Patrícia Cardoso da Costa**

A Independência do Brasil é considerada um dos principais marcos históricos da nação. Por sua importância política, social, econômica e educacional esse fato tem gerado, desde o século XIX diferentes narrativas. Suas versões forjaram cenários e heróis nacionais. Essas invenções e modos de contar a emancipação política brasileira contribuíram para legitimar uma história oficial, bem como para afirmar um determinado patriotismo no momento em que estava em curso o projeto de construção da Nação. O Estado Imperial, a imprensa, associações, escolas e repartições públicas promoveram eventos comemorativos como forma de legitimar uma certa história e memória positiva sobre o 7 de setembro de 1822.

No seu cinquentenário, em 1872, a Corte Imperial celebrou a efeméride com a inauguração de uma estátua de José Bonifácio de Andrada e Silva no Largo de São Francisco. A iniciativa buscava reforçar uma determinada compreensão de sua atuação no contexto da separação com a metrópole portuguesa e popularizar a ideia de que ele era o verdadeiro “Patrono da Independência”.

Bonifácio nasceu no Brasil e terminou seus estudos na Europa, onde cursou Direito na Universidade de Coimbra, tendo sido também aluno das Faculdades de Filosofia e Matemática. Durante dez anos percorreu diversos países da Europa em viagem científica, por conta do erário Real. Em 1819 retornou ao Brasil, tendo iniciado sua carreira política e, participado dos processos da Independência, da primeira Assembleia Constituinte e na tutoria do pequeno e futuro imperador, Pedro II.

Alguns impressos no século XIX noticiaram a inauguração da estátua, como o grande evento comemorativo pelo cinquentenário da Independência. De certo modo, a monumentalização de José Bonifácio servia para mitificar e imortalizá-lo como “heroe”, expressão ou termo que em dicionário da época significava “varão digno de honra e memória por suas grandes proezas”. A imprensa destacava seus “feitos, ideias e aspirações” como simbologia da liberdade alcançada pelo país. Entretanto, da mesma forma que havia a produção de uma memória positiva sobre esse sujeito, alguns intelectuais como Mello Moraes e Pinto Junior, por exemplo, se esforçaram por estranhar, questionar e desconstruir seu passado glorioso.

Enquanto a história oficial produziu o “mito”, o “herói”, o Patrono, um de seus críticos, Mello Moraes, escreveu em seu livro A Independencia e o Imperio do Brazil (1877), a seguinte frase: “A figura de bronze, que orna o largo de S. Francisco de Paula, será contemplada com indiferença, porque nem José Bonifacio de Andrada e Silva foi o patriarcha da independência, e nem os Andradas foram os verdadeiros patriotas”. Do mesmo modo, Pinto Junior publicou em impressos da época que “nem José Bonifácio esteve no Ypiranga ao lado do Imperador quando se deu o brado da Independência, nem este brado foi dado sobre as margens do Ypiranga”.

Apesar de contestado, o mito, integrante da família Andrada permanece na memória nacional até os dias atuais, como vários livros didáticos de História do Brasil podem atestar. Há poucos anos, o Governador de São Paulo, Geraldo Alckmin, promulgou a Lei nº 15.049 de 18 de junho de 2013, que criou o Programa de Memória de José Bonifácio, constituído por ações cívicas, comemorações e pesquisas históricas acerca dessa personagem. Do mesmo modo, o ex- Presidente da República, Michel Temer, decretou e sancionou a Lei 13.615 de 11 de janeiro de 2018, que determina o estadista José Bonifácio de Andrada e Silva como Patrono da Independência do Brasil, um claro reforço republicano à velha identidade imperial.

O lugar que Bonifácio passou a ocupar na história se deu em razão de eventos também bastante questionados por alguns críticos, mas sustentado por outros, como o cargo que ocupava (Ministro do Reino e do Estrangeiro), bem como a motivação para o grito do Ipiranga, com o envio de uma carta para Pedro I que relatava as estratégias das Cortes Portuguesas para enfraquecê-lo politicamente e transferir a sede do governo brasileiro para Lisboa.

Bonifácio considerava importante a intervenção do Estado em questões sociais como a escravidão, o analfabetismo e a problemática indígena. Era defensor da Monarquia e lutava por um Executivo forte. Com o fechamento da Constituinte em 1823, foi expulso e cumpriu exílio na França durante seis anos. Em 1831, D. Pedro I o nomeou tutor de seus filhos, função da qual foi destituído pela Regência Trina Permanente em 1833. Com a destituição da tutoria foi preso, para, em seguida aposentar-se e, viver em Paquetá.

Parece-nos que o empenho em mitificar, heroificar e fazer lembrar determinada trajetória, acontecimento ou personagem ainda é comum no Brasil. Há dois séculos, já havia quem se dispusesse a estranhar e questionar a produção, legitimação e naturalização dessa proliferação de mitos. Temos que dar continuidade a essa prática, questionando, principalmente, a construção atual de “mitos”, forjados e fabricados para cumprir uma agenda política, como ocorreu nas eleições em que concorreu o atual presidente da República. É nosso dever, hoje, interrogar o Brasil do Bicentenário, as memórias, heróis e mitos que estiveram e estarão em relevo, e assim, repensar os rumos da nação e as emancipações a serem ainda conquistadas.

*Graduada em Pedagogia pela Universidade do Estado do Rio de Janeiro, doutoranda do Programa de Pós-Graduação em Educação (PROPED/UERJ) e integrante do Núcleo de Ensino e Pesquisa em História da Educação (NEPHE/UERJ).

**Graduanda de Pedagogia (UERJ), bolsista CNPq/UERJ, integrante do Núcleo de Ensino e Pesquisa em História da Educação (NEPHE/UERJ).


Imagem de destaque: Escola Politécnica e estátua de José Bonifácio, 1871 circa 1884.  Obra que integra o acervo do Instituto Moreira Salles. https://zp-pdl.com/apply-for-payday-loan-online.php https://zp-pdl.com https://zp-pdl.com/emergency-payday-loans.php

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *