Universo Educacional de ontem e hoje – Kelli Suelli Geraldi da Silva

Universo Educacional de ontem e hoje

Kelli Suelli Geraldi da Silva

Quando era criança costumava achar aquilo maravilhoso: vestir a camisa branca de tergal e saia pregueada, calçar meias e o sapato preto, colocar a pasta com alças nas costas e ir de mãos dados com o papai ou com a mamãe para a escola.

Sentia um aperto no peito ao olhar para trás e vê-los no portão acenando para mim. Mas meu impulso de curiosidade era mais forte, nada iria me impedir de descobrir o que acontecia dentro daquele local com muros enormes. Havia um pátio onde as crianças, algumas colegas conhecidas, outras não, faziam fila. Ficávamos ansiosos para alguém falar nosso nome, e que para que pudéssemos ficar na mesma sala que nossos amigos. Depois descobri que aquela que dissera os nomes seria a professora, e era ela quem ensinaria aquilo que eu ainda não sabia, nem tinha vistos nos livros de estórias, ou no material escolar de minha irmã mais velha. Agora eu tinha meu próprio material, meus livros comprados pelo papai e encapados pela mamãe. O uniforme fora de minha irmã, mas remodelado para mim por minha mãe, parecendo uma roupa nova.

Sentia orgulho por estar ali. Como minha irmã, eu também queria ser destaque na escola, tirar as melhores notas, saber o porquê, explicar as coisas que aconteciam, acertar nas contas quando íamos comprar nossas guloseimas…. Era importante demais saber!

Quando chegava da escola, ia logo fazendo o para-casa e como mamãe não deixava brincar na rua, ficava ali, depois do almoço, a folhear os meus livros. Quando estes não satisfaziam, ia cuidadosamente subtrair um dos livros de minha irmã para ler as coisas que ainda não sabia e contar no dia seguinte para a professora e colegas o que havia descoberto. Para mim isso era divertido e me fazia sentir bem e aceita.

Relembrar isso me emociona pois até hoje estou na escola, agora, porém, como diretora, na cidade de Vespasiano. Ainda chego cedo, não para pegar os primeiros lugares, como fazia antes, mas para controlar o horário daqueles que estão sempre atrasados. Da parte debaixo da escada, observo os alunos que vão se adentrando para o prédio escolar. Muitos estão sem uniforme e tenho que adverti-los. Dizem que não gostam, que está fora de moda, não valoriza o corpo, não deixa as partes mais bonitas à mostra.

Depois de acomodar os alunos na sala, aparecem mais alguns pedindo lápis ou caneta emprestada, ou querendo outro livro, pois o que ganharam no início do ano já se perdeu na escola ou sumiu em casa. Algumas professoras descem para pegar a advertência escrita pois mais da metade dos alunos deixaram de fazer a lição de casa que elas deixaram há uma semana. Eles alegam “não ter dado tempo”, ou não ter o livro (o mesmo que receberam no início do ano), ou mesmo que o caderno acabou e não deu tempo de comprar outro.

No conselho de classe, as reclamações são sempre as mesmas: alunos que não realizam as atividades, faltam as aulas, só querem ficar brincando, ou estão dormindo em sala e algumas vezes até drogados. Muitas vezes, deixam as avaliações em branco, não entregam os trabalhos nem os cadernos. Os pais são frequentemente chamados, mas a maioria não aparece, e dos que aparecem, grande parte acredita que a escola é quem está errada, exige demais do aluno, A culpa é os professores pelo filho não estar progredindo. Quando pergunto a esses pais quanto tempo passam com os filhos ou verificam seus cadernos, eles dizem que não tem tempo para isso.

Fico me questionando o que foi que aconteceu; Onde ficaram os valores que aprendi com minha família? Qual a importância da aprendizagem? O que esses alunos e pais querem da escola? O que ela pode oferecer? Não sei onde ficaram a vontade de aprender, nem o interesse, nem a motivação. Não sei o que fazer com estes alunos. Não sei o que fazer com os pais de nossos alunos.

Busco ajuda junto a Secretaria de Educação que diz que preciso ser compreensiva, fazer capacitações e atualizar o conhecimento para fazer uma “educação de qualidade”, ao mesmo tempo que tenho que seguir à risca os procedimentos, conteúdos e projetos ditados por ela.

Sinto que estou em um beco. O que fazer então? Vou dar um jeito, aceitando o aluno sem uniforme, sem livro, sem interesse, sem pais, sem respeito, e continuar a fazer o meu trabalho, da forma que vai dando, para atingir a meta, o quantitativo de alunos que deverão ser aprovados, com o conhecimento que adquiriram ou não.

Não sei o que fazer quanto a essas situações vividas na escola, mas sei o que devo fazer quanto a mim. Ainda sinto o mesmo desejo de saber o porquê, de descobrir o significado de muitas coisas, de me fascinar com o conhecimento que ainda não adquiri. É com essa expectativa que continuo buscando meios de conhecer, aprender e compreender o que aconteceu e o que é possível fazer para que eu continue a ter esperanças de despertar nos alunos o fascínio pelo conhecimento e melhorar as perspectivas educacionais.

Kelli Suelli Geraldi da Silva – Diretora escolar na rede Municipal de Vespasiano Pedagoga licenciada pela Faculdade de Educação/UEMG e Cursa matéria isolada no Mestrado em Educação pela mesma instituição.

 

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