Inconsequência e inconsciência

Gazy Andraus

Esta é uma crítica advinda de um relato que tracei no ano de 2012, mas que é atual devido ao tema-objeto criticado: a inconsciência e inconsequência atinente ao ser humano em geral.

Cometi este texto em 5 de setembro de 2012, após ter retornado de São Paulo, capital, para São Vicente-SP, quando lecionava em Guarulhos-SP, numa noite de quarta-feira. O ônibus levou quase uma hora a mais para chegar ao centro da cidade, pois havia uma aglomeração de caminhões na entrada de Santos, depois de Cubatão, devido talvez à antevéspera de feriado da independência daquele ano. Pois, ao chegar caminhando no centro da Primeira Vila Fundada (e “afundada”) do Brasil, à Praça Barão do Rio Branco, pouco depois das 22h, qual não foi meu susto e indignação ao me deparar com tamanha sujeira nas ruas e na praça, cujo movimento cotidiano é intenso durante o dia. Lembrei-me de quando estive no Líbano em 2010 e presenciei um país também com bastante lixo em algumas localidades: lá, devido à guerra civil que durou 20 anos, a população se descuidou de questões essenciais, e muitos que foram morar depois, apesar de religiosos, parece que não se preocuparam nos quesitos mais básicos de limpeza e organização (para que serve a religião, então? Só para cultuar Deus – ou que quer que tenha nome essa energia universal – e se descuidar do resto?). Assim, quando voltei à brasilidade, meu choque foi perceber que aqui, sem guerra mesmo a se justificar, a população agia igual, sujando as calçadas e o que mais pudesse, numa clara demonstração que independem do país, a população e a religiosidade (pois aqui também, um povo que se diz católico, mas que não cuida da limpeza), e sim, a educação perdida (claro, há culpa numa governabilidade corrompida que não colabora na educação e na saúde). Para mim, quando se professa qualquer que seja a religiosidade, isto se bastaria para servir de prumo e orientação mais básica, no quesito de limpeza e organização a fim de uma manutenção de convívio pleno e salutar entre as pessoas de uma nação. Vide que ateus, por não se direcionarem a nenhuma espiritualidade, ainda assim, se pautam por uma índole racional e conseqüente, e portanto, sabem respeitar as cidades (falo isso, por ter um ou outro amigo ateu, possuidores de um caráter excepcional). Mas, afinal, percebi que isso independe: tanto no Líbano como aqui no Brasil, a massa ignara de pessoas não tem consciência formada!

O sistema capitalista as faz gastarem a esmo, sem raciocinarem, sem profundidade, e apenas para aplacar instantaneamente seus desejos consumistas, egóicos e de gula, mascarando um pobre e deficiente desenvolvimento interno de estado psicológico, em que suas agruras, temores, humores e desequilíbrios são trocados por rápidos e fugazes momentos de prazer consumista desenfreado. O educador Ruy Cezar do Espírito Santo costuma advertir que falta um desenvolvimento em que as pessoas saibam conectar seu ego a seu Self, de acordo com a premissa de Carl Gustav Jung. Eu concordo: o ego é primário, infantil e deveria servir ao Self, que seria um “Eu” mais sábio do ser humano, pois mais divinizado, complexo, quântico e atinente ao universo (ser univérsico como diria Huberto Rohden). Sim, como não sabem disso, e não têm estímulos de educação para tal (de “educere”, que significa trazer de dentro para o afloramento de uma educação que jaz potencialmente adormecida em cada um de nós), aliado ao pouco que ganham nos salários suados são estimulados aos gastos ensandecidos para aplacar sua frágil estrutura psicológica (e eu me encontro nessa também, sempre tentando debelar essa falta). Até aí é uma etapa do problema: a outra é o mazelo com que lidam com os refugos de suas aquisições, em especial as embalagens dos produtos, sejam alimentares e/ou gerais (nesse quesito, busco consumir menos e jogar as embalagens nos depositários de lixo espalhados pelas urbes).

Ao chegar ao meu apartamento, decidi voltar à rua, quase às 23h, para tentar registrar o descalabro, fotografando e filmando como prova de uma sociedade inconsequente, infantil, domada e direcionada apenas aos atos de consumo sem nem raciocinar acerca dos rastros de destruição que para trás (e para o futuro) deixam!

Não seria já hora de nossas mídias, nossas escolas, faculdades, etc., abordarem uma educação verdadeira, e não essa irreal e que apregoa o ensandecimento competitivo sem percepção nas consequências?

Tirem vossas conclusões. Eu ainda creio numa humanidade que virá, preservando e criando, sem se descuidar das consequências…sim, sou espiritual, no sentido univérsico (de Rohden) e quântico-ativista (no sentido de Amit Goswami), e questionador (no sentido de Krishnamurti). Também busco a paz (como Gandhi), e a ação decidida, como a de guerreiros, mas de luz (e não dos embates físicos). Enquanto não consigo conciliar a paz com ação decidida, busco me orientar aos afazeres e à divulgação daquilo que julgo errôneo e que precisa ser realmente visto e revisado, como esses descalabros que ocorrem nessa cidade que resido desde criança! E que, claro, servem de alerta e exemplo a todas as outras espalhadas pelo nosso país. E não finalizo sem antes deixar um recado aos que se dizem nossos políticos (e aos que pleiteiam sê-lo e re-sê-lo) : cuidado, porque essa “gula” de vocês por um lugar a esse “sol” que buscam (o dinheiro, é claro), está com os dias contados! A população brasileira já não suporta mais essa condição desigual e esse desequilíbrio entre vossos salários e os deles, entre os trabalhos que eles têm e as falsas atividades que vocês simulam e ensejam no pleito da falsa política que vocês abarcam. Cuidado, porque o limite já passou até, e é questão de (pouco) tempo para que isso desmorone de uma vez! Os sinais já estão aí, incluindo essa sujeira nas ruas e a falta de uma vida equilibrada que ofusca e nubla as mentes das pessoas, colocando-as como zumbis…se vocês que desejam cargos na vida política não começarem a pensar realmente no que quer dizer tal função, e trabalharem de verdade para a harmonia da polis, vocês mesmos serão também engolfados por essa aberrante vida desproporcionada, e serão arrastados como glutões ensandecidos que são…vejam minha história em quadrinhos (HQ) “Terra & Plantio”, e entenderão!  

A finalizar, parafraseio uma frase encontrada numa gravura do grande artista espanhol Goya: “O sono da educação cria monstros”!

Assim, esta minha crítica que alia a arte para ilustrá-la nos ajuda a entender que uma nação sem instrução e sem os meios de viver com o básico necessário: educação, alimento, moradia, refletirá uma vida inconscientemente inconsequente, tornando nossa existência nas cidades (e no país, e no mundo), uma catástrofe iminente em andamento!

Sobre o autor
Gazy Andraus é pós-doutorando pelo PPGACV da FAV-UFG (Bolsista CAPES-PNPD), Doutor pela ECA-USP, Mestre em Artes Visuais pela UNESP, Pesquisador e membro do Observatório de HQ da USP, Integrante do grupo de pesquisa CRIA_CIBER (FAV/UFG) e Poéticas Artísticas e Processos de Criação (UFG). Também publica artigos e textos no meio acadêmico e em livros acerca das Histórias em Quadrinhos (HQs) e Fanzines, bem como também é autor de HQs e Fanzines na temática fantástico-filosófica.


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