Hospitalidade pode ser pensado em lugar de prática educativa não escolar?

Arthur Vianna Ferreira*

No campo do saber da Pedagogia Social se multiplica a quantidade de reflexões sobre as práticas educativas não escolares, suas potencialidades oriundas das práticas concretas dos educadores sociais, e, os seus alcances dentro do contexto educacional brasileiro. A leitura da Pedagogia da Hospitalidade, proposta pela pesquisadora portuguesa Isabel Baptista, nos abre a possibilidade de pensar esse conceito – hospitalidade – como elementos de formação docente para organização de práticas educativas não escolares, especialmente na área da Educação dos Direitos Humanos.

A partir de suas reflexões, a hospitalidade pode ser definida como um local privilegiado de encontro interpessoal, marcado por uma atitude de acolhimento em relação ao outro, onde não se impõe ação direta do eu sobre o outro. Ao contrário, o outro é início e o fim da ação realizada neste encontro. As necessidades e demandas dos sujeitos, que se apresentam no campo da alteridade, devem ser apontadas como fundantes da nossa ação e a reciprocidade, vivida nesse processo, é o que dá sustento a um campo pedagógico de encontro entre “outros” que desejam, mutuamente, estarem um na presença do outro e, por isso, facilitam a sua própria vivência educacional, independente de quem, aparentemente, se faz responsável pelo processo.

Assim, esse conceito nos tira do senso comum de entendermos a hospitalidade como acolhimento. A alteridade, ou seja, a vivência subjetiva de um outro dos nossos laços sociais é o que se transforma no cerne de qualquer ponderação acadêmica sobre hospitalidade na educação. (cf. BAPTISTA, 2012, p.46)

Ao se trazer o outro em sua radical diferença para as relações sociais, seja na educação, seja em quaisquer outros processo de institucionalização, a hospitalidade se configura não como o simples ato de acolher, mas de se responsabilizar pela existência do outro e a manutenção de sua diferença como parte integrante da minha existência e da sustentação da dimensão antropológica e identitária com a qual todos somos compostos, enquanto seres humanos.

À luz de novos paradigmas que façam crescer esse campo de saber, principalmente, na formação docente inicial, legitima-se tanto as diversas maneiras de atuação dos pedagogos e licenciados nos ambientes não escolares quanto reflexões que construam novos espaços pedagógicos de exercício do ensino-aprendizado focados não no espaço físico, nos resultados formais e no cânon da legislação educacional.

A Educação Social pode – e deve ser pensada – para além dos processos convencionais de produção de conhecimento e de relações de ensino-aprendizagem. Ao valorizar as distintas pedagogias, como é o caso da hospitalidade, propõem-se novas funcionalidades às ponderações antigas e promove aos pesquisadores a experiência da hospitalidade como reflexão sobre o saber-fazer educacional em um contexto social que valoriza a relação social estabelecido junto ao outro do processo educativo. (cf. BAPTISTA, 2016, p. 7)

A hospitalidade pode ser um lugar de escuta na educação à medida em que a mesma se propõe a construir laços sociais na articulação centrado no Outro que, em nossa reflexão, se descortina em uma relação dinâmica e estrutural entre o ‘outro-educativo’ e o ‘outro-formativo’. Essa realidade se constitui parte relevante do processo de compreensão de que a hospitalidade é uma forma de educação uma vez que “os laços comunitários que sustentam as diferentes práticas de cidadania não são tão naturais como a tradição nos ensinou a pensar, mas sim construídos. São laços humanos, e nessa condição frágeis e carentes de vigilância permanente”. (cf. BAPTISTA, 2005, p.70)

Como lugar de escuta, a hospitalidade se apresenta como um modo de relação positiva entre os sujeitos sociais caracterizado pelo acolhimento mútuo que não se encerra em si mesmo. Ao contrário, se abre a uma necessária aprendizagem recíproca e pela corresponsabilidade cívica. Assim, ao exercer a escuta como espaço de hospitalidade, reconhece-se que todos os atores sociais possuem um conhecimento relevante para o desenvolvimento social dos seus territórios e das comunidades locais. O educador que encontra na hospitalidade o seu local de escuta pedagógica admite que nenhum dos sujeitos sociais detém sozinho, a verdade absoluta e quanto mais visões obtivermos da realidade poderemos usufruir de relações mais solidárias e positivas entre os seres humanos. Acolher, partilhar e discutir sobre todos os pontos de vistas possíveis é o exercício da hospitalidade como lugar de escuta pedagógica. (cf. BAPTISTA, 2015, p. 10)

Enfim, a Pedagogia da Hospitalidade se encontra em aberta e inconclusa. Todos somos convocados a ocupá-la como lugar de escuta em todos os seus sentidos: educacional, social, profissional, cultural, político, psíquico, entre outros. A partir desse local, de escuta e hospitalidade, poderemos continuar pensando em como ser humano sendo o outro-da-relação capaz de exercer o ofício de educar pelo simples fato de existir para um outro que divide comigo a responsabilidade, o direito e o dever de ‘ser-estar-fazer’ nesse mundo.

REFERÊNCIAS

BAPTISTA, Isabel. Dar rosto ao Futuro: a educação como compromisso ético. Porto: Profedições, 2005.

BAPTISTA, Isabel. Ética e educação social interpelações de contemporaneidade. In.: SIPS – Pedagogía Social. Revista Interuniversitaria, n. 19, p. 37-49, 2012.

BAPTISTA, Isabel. Laços sociais – por uma epistemologia da hospitalidade. Caxias do Sul: EDUCS, 2015.

BAPTISTA, Isabel. Para uma fundamentação antropológica e ética da educação: a escola como lugar de hospitalidade. EDUCA – International Catholic Journal of Education, n. 2, p. 203-214, 2016.

* Universidade do Estado do Rio de Janeiro – UERJ


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