Gestão escolar: lideranças adoecidas

Leonardo Eustáquio Sant’Anna da Silva

Daiane Aparecida Araújo de Oliveira

Nossas vidas foram completamente alteradas em razão da pandemia de COVID-19. O uso de máscara facial, mudanças em protocolos de limpeza e higiene, na forma de se relacionar com as pessoas próximas e distantes, medos, sequelas, dentre outras infinidades de mudanças sem precedentes em nosso dia a dia.

Os dados que mostram o quanto a saúde mental das pessoas foi impactada são públicos e merecem atenção. Depressão, estresse e burnout se tornaram mais comuns por diversos motivos, alguns deles são o isolamento social, ou a própria “volta à normalidade”, que implica em pressão para manter a economia funcionando, constante temor do desemprego e da inflação. O conjunto de todas as dificuldades que temos passado, cada um em sua singularidade, tem adoecido muitos de nós. Há relatos do aumento da procura por psiquiatras, psicólogos e tratamentos terapêuticos farmacológicos com o intuito de amenizar sintomas ocasionados pelas consequências da pandemia em nossas vidas. Esse conjunto redigido não incluiu a busca por outros psicotrópicos não legalizados, que também é uma problemática dos dias atuais. 

O cenário de adoecimento atinge todas as categorias profissionais, mas o texto se dedicará apenas a dois profissionais da educação: os professores e os gestores de escolas (diretores) privadas. Essas instituições particulares foram muito afetadas ao longo da pandemia. A crise financeira ocasionada pela pandemia fez com que muitos estudantes saíssem das escolas privadas para a pública. É uma reação em cadeia: menos alunos, menos turmas e, assim, uma menor necessidade no quantitativo de professores e outros profissionais. Por conta disso, muitos professores precisaram ser demitidos, equipes de limpeza reduzidas ao mínimo, tudo para diminuir o custo de funcionamento de uma escola híbrida e pouco frequentada presencialmente ao longo de dois anos. A pressão das famílias aumentou, tanto por descontos nas mensalidades, quanto por um ensino híbrido de qualidade, ainda que criado da noite para o dia.

No que diz respeito aos professores, antes da pandemia, eles trabalhavam presencialmente. No entanto, com as medidas de restrição, passaram a ficar em suas casas e, diferente do que faziam antes, não estavam descansando ou cuidando de suas famílias, mas participando de cursos sobre utilização de plataformas de ensino a distância, produzindo material on-line, vídeos, formulários, planilhas, avaliações a distância, entre outros tantos desafios nunca enfrentados. Diversos sentimentos atravessaram professores, desde os calouros da profissão aos mais veteranos. Das emoções mais relatadas, estão a insegurança e o medo. Pouco a pouco, uma sensação de adoecimento foi sendo inaugurada.

O cenário de desafios aos gestores educacionais foi sacudido e ampliado. As dificuldades e cobranças, que já eram naturais na categoria, cresceram exponencialmente e de modo proporcional às problemáticas que envolviam a própria COVID-19, que atingiu um grau absurdo de pessoas contaminadas no país. Ao acumularmos preocupações com as saúdes coletivas e outras de cunho profissional, como o atendimento educacional de qualidade aos alunos matriculados, assim como a manutenção da escola como um todo, temos um cenário desolador para a saúde mental dos gestores, e muitos deles foram seriamente acometidos. 

Podemos fazer um paralelo entre escolas e orquestras sinfônicas: o regente da orquestra são os gestores escolares, os musicistas são os professores (e demais funcionários da escola). Adoecidos, os musicistas  e os regentes dessa orquestra escolar passaram a ter dificuldades em lidar com a melodia que precisavam criar, complicando ainda mais o ritmo criado pelo conjunto de instrumentos existentes dentro do espaço escolar. Comandos duplicados ou fora de contexto foram emitidos e o som de alguns instrumentos passaram a atravessar outros tantos, gerando um desacordo entre os componentes. Algumas pessoas percebem a falta de sintonia da orquestra, mas, com medo do desemprego em uma instituição privada, muitos ficaram calados aguardando as novas ordens, mesmo sabendo que aquela não era a música em seu ritmo correto.

Quando o regente (diretor ou diretora) não escuta bem as notas emitidas pelos musicistas, ele caminha com direcionamentos desafinados, causa desarmonia, gera sobreposição de ruídos no lugar de uma música que poderia ser equilibradora. Os coordenadores e orientadores escolares tentam alguma harmonia com o regente e o efeito desordenado passa a ser transmitido aos demais. Instrumentos auxiliares entram na hora errada e geram mais uma estranheza sonora entre aqueles que conhecem bem a música. Talvez aqueles que só conhecem a obra pelo seu resultado final demore a perceber toda desarmonia, mas o adoecimento persistente acaba gerando um som tão atrapalhado que mesmo os consumidores mais desavisados passam a acompanhar com um olhar desconfiado, complicando mais a música toda.

A liderança adoecida conduz ao adoecimento. Diretores vivendo um burnout são capazes de contagiar os coordenadores, orientadores, professores, secretaria, equipe de limpeza e até mesmo os estudantes. Seus comandos adoecedores levam a um surto coletivo dentro da escola. Os atestados médicos se multiplicam em um contexto de adoecimento mental. Os debates passam a ser somente discórdias e não geram crescimento, fazendo com que as pessoas fujam do diálogo e da busca por soluções que poderiam ser saudáveis e criativas.

É imprescindível que alguém avise ao seu gestor adoecido que ele precisa cuidar da própria saúde, mas como fazer isso com quem tem o poder de demitir se compreender de forma equivocada uma oferta de ajuda? Como dizer ao seu chefe: você precisa procurar um psicólogo ou um psiquiatra? Você não está bem. Se é tão difícil ouvir que não estamos bem, como fazer para dizer isso ao outro que tem a caneta das decisões em suas mãos?

Mesmo sendo professor(a) e trabalhando na escola há muitos anos, não sei a resposta, pois é muito complicado conversar com aqueles que não estão acostumados a ouvir. Mas posso afirmar que, pelo bem coletivo, institucional e empresarial, alguém precisa informar ao gestor, por ocasião do seu adoecimento, que ele precisa de ajuda profissional o quanto antes.

 

Sobre os(as) autores(as)

Leonardo Eustáquio Sant’Anna da Silva é professor e diretor de uma escola particular em Brasília. Graduado em Psicologia (2011) pelo Centro Universitário de Brasília e Ciências Biológicas pela Universidade Católica de Brasília (1999). Especialista e Mestre em Bioética pela Universidade de Brasília (UnB).

Daiane Aparecida Araújo de Oliveira é professora em um colégio particular em Brasília. Pedagoga formada pela Universidade de Brasília (2017), mestra em Educação pela mesma instituição (2020) e especialista em Educação Infantil na Teoria Histórico-Cultural – Instituto Saber (2021).


Imagem de destaque: Galeria de Imagens

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *