Zélia Profeta*
Esta semana, no dia 25 de maio, a Fiocruz, completou 120 anos. Tudo começou em 1900, com o Instituto Soroterápico Federal, no Rio de Janeiro, que foi criado, originalmente, para fabricar soros e vacinas contra a peste bubônica. Desde a sua criação a instituição vem enfrentando epidemias, endemias, pandemias, crises sanitárias, e a sua trajetória se confunde com o desenvolvimento da saúde pública no Brasil. Perdeu autonomia em 1930, foi atingida pelo golpe em 64 quando sofreu o Massacre de Manguinhos e viveu intensamente o processo de redemocratização.
É missão da Fiocruz a geração, disseminação e compartilhamento de conhecimentos e tecnologias para o fortalecimento e a consolidação do Sistema Único de Saúde (SUS), contribuindo assim para a promoção da saúde e da qualidade de vida, para a redução das desigualdades sociais, tendo como valores centrais a defesa do direito à saúde e da cidadania.
A Fiocruz está em todas as regiões do país, em 10 estados brasileiros, além de um escritório em Moçambique. A instituição constitui-se num sistema envolvendo pesquisa, ensino, produção e prestação de serviços numa integração entre conhecimento científico e tecnológico e saúde pública que se articulam entre os campos biomédico e da saúde coletiva.
A minha vida na Fiocruz teve inicio a partir do final da década de 1980, quando comecei a respirar os ares institucionais e a me encantar com a sua missão. Nessa época a Presidência institucional estava sob batuta do grande sanitarista Sérgio Arouca. Digo batuta porque ele fazia tudo com muita paixão assim como um maestro regendo uma sinfonia.
Foi na gestão dele que se estruturou o modelo de governança praticado na instituição até os dias atuais. O nosso modelo é singular em razão de estar estruturado com princípios, estruturas e práticas participativas e democráticas incorporadas nos processos de tomadas de decisões corporativas. Por exemplo, a nossa instância máxima de definição da política macro institucional é o congresso interno que é um espaço no qual todas as Unidades elegem representantes que discutem e deliberam sobre os rumos da instituição, a cada 4 anos, após a eleição do/da Presidente. A Instituição pratica a democracia de forma ampla desde Sergio Arouca.
São muitos os projetos nas diferentes Unidades que, de acordo com as suas vocações, se dedicam a produção de kits para diagnóstico, vacinas, medicamentos, assistência, comunicação, história da ciência e da saúde, educação para a formação de técnicos em saúde, formação de gestores e para a pós graduação, pesquisa básica, aplicada, biomodelos, controle de qualidade em saúde, dentre outros.
A pujança da Fiocruz deve-se à sua gestão participativa, à sua diversidade e à sua presença em diferentes territórios no país. Deve-se também à sua determinação para a resolução de problemas de saúde pública e como exemplos recentes cito a importante participação institucional na emergência sanitária em 2015 com a Zika e em outros desafios como o enfrentamento da epidemia de febre amarela recentemente, o desastre da Vale em Brumadinho, derramamento de petróleo, e agora a pandemia do novo corona vírus.
A Fiocruz nos seus 120 anos, tem pela primeira vez uma mulher como Presidente. Na Fiocruz de Minas Gerais, onde sou lotada, também sou a primeira mulher e negra ocupando o cargo de diretora. Estamos atuando em diferentes áreas do conhecimento para a elucidação de problemas de saúde locais e nacionais, para o desenvolvimento tecnológico, para a elaboração de políticas públicas, para a formação de pessoal para o serviço e academia. Mais recentemente temos estimulado projetos que promovam a maior participação de mais mulheres e meninas no fazer cientifico, além de projetos na perspectiva da ciência cidadã.
Tenho muito orgulho de ser dessa Instituição pública, e estratégica para o Estado brasileiro. O significado de saúde para a Fiocruz é amplo e o nosso entendimento é que saúde no seu sentido amplo tem uma relação intrínseca com democracia.
Entendo ser preciso reafirmar essa relação, especialmente no momento atual no qual o país passa com uma grave crise política em meio a uma crise sanitária e humanitária de grandes proporções.
“Saúde não é ausência de doença, é muito mais que isso. Saúde deve ser entendida como bem estar social, com direitos amplos garantidos”. Entendo que nesse grave e tenso momento em vivemos no Brasil com perda de direitos, com redução do Estado, e de retrocessos e muito desrespeito a vida, é preciso mobilização das instituições e pessoas comprometidas com esse país. Mobilização em defesa do SUS em toda a sua dimensão, da educação pública com qualidade, do trabalho decente, habitação, no combate a fome e pela paz.
Para isso temos como tarefa fundamental atuar para fortalecer a democracia, as políticas públicas e combater o obscurantismo.
Fiocruz, 120 anos em defesa da vida! Aqui somos SUS!
*Pesquisadora em saúde pública- Diretora do Instituto René Rachou (Fiocruz Minas) – zelia.profeta@fiocruz.br
Referências
Arouca S. Democracia é saúde. In: Anais da 8a Conferência Nacional de Saúde, 1986. Brasília: Centro de Documentação, Ministério da Saúde; 1987
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Este texto integra uma parceria entre o Pensar a Educação, Pensar o Brasil 1822/2022 e o Instituto René Rachou (Fiocruz) para promover ações e reflexões em torno da Educação para a Saúde.